Alvo de ofensiva do governo Temer, jornalista promete manter a luta para seguir no comando da Empresa Brasil de Comunicação
(CartaCapital, 19/09/2016 – acesse no site de origem)
Quando recebeu CartaCapital para esta entrevista, na quarta-feira 7, Ricardo Melo ainda era presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Naquele momento, Melo ainda contava com o respaldo do Supremo Tribunal Federal na batalha jurídica que travava com o governo Michel Temer.
No dia seguinte, entretanto, o ministro José Antonio Dias Toffoli mudou seu entendimento sobre o caso e confirmou a remoção de Melo. Toffoli argumentou que demissão poderia ocorrer diante da edição da Medida Provisória 744 por Temer, que alterou a estrutura da EBC.
O jornalista promete seguir com a disputa judicial e, em nota divulgada na segunda-feira 12, afirmou que entende permanecer “no comando da EBC até que seja formal e regularmente exonerado pelo Presidente da República”.
Com passagens pelas principais redações do País, Melo luta na Justiça para continuar no cargo para o qual foi nomeado pela ex-presidenta Dilma Rousseff, em maio deste ano. Mais importante ainda do que o cargo, afirma Melo, foi a extinção do Conselho Curador da EBC, feita a por Temer na MP 744.
Para o jornalista, a canetada de Temer representa o fim da independência da emissora estatal. Isso em um País em que a imprensa está nas mãos de algumas poucas famílias que ditam um “monopólio de opinião”. “Meu papel institucional é importante neste momento: evitar o desmonte da EBC”.
CartaCapital: Como o senhor avalia a extinção do Conselho Curador da EBC?
Ricardo Melo: A Medida Provisória praticamente fere de morte a tevê pública. A EBC foi criada, em 2008, com o objetivo de fazer cumprir a Constituição. E esta prevê a complementaridade entre comunicação pública, privada e estatal. A que serve a comunicação pública? A comunicação pública serve a interesses que o mercado não atende. A comunicação do mercado é aquela que rende dinheiro: publicidade, retorno, ibope. E a comunicação pública responde justamente a interesses que não são cobertos por essa gama do mercado.
O objetivo da comunicação pública é dar voz a quem não tem voz. A EBC não foi uma ideia que saiu da cartola, foi feita com base em exemplos de outros países. A BBC é o exemplo mais comentado porque tem quase 100 anos, mas há a NHK (Japão), a RAI (Itália), RPT (Portugal).
Agora para manter esse modelo de independência editorial, você precisa ter mecanismos. Um desses instrumentos era o Conselho Curador, composto de representantes indígenas, negros, jovens, sindicalistas, LGBT. Ou seja, o conselho procura ser um espelho da sociedade. A dissolução do Conselho Curador é um ataque frontal à proposta de ser um veículo de comunicação pública. O objetivo é acabar com esse viés social e público da emissora.
CC: O governo Temer tem falado em aparelhamento da EBC para justificar sua exoneração e a extinção do Conselho Curador.
RM: A MP é o contrário do desaparelhamento. A medida aparelha completamente a EBC. Hoje, 95% dos funcionários são concursados. Como é que você aparelha uma empresa dessa? É uma bobagem completa. Eu, por exemplo, vim para EBC em agosto do ano passado como diretor de jornalismo. Eu nunca recebi um telefone do ministro da Secom [Edinho Silva], do Américo [Martins], que era presidente da EBC, ou da presidenta da República, a qual eu não conheço. Não conheço a Dilma, nunca vi.
Tudo que foi feito foi da minha cabeça e do Conselho Curador. Sempre respondi ao Conselho Curador, então esse negócio de aparelhamento é uma bobagem completa. Na época que a Lava Jato estava no auge, nunca deixei de dar uma matéria sobre isso. Nunca deixei de dar uma notícia sobre a Operação Lava Jato. Inclusive casos relativos a Edinho Silva, ex-ministro da Secom, a Dilma Rousseff, ao Lula. O que ocorreu é que muitas das pessoas convidadas não apareciam nos nossos programas. Convidamos o Aécio Neves, o José Serra, o próprio Michel Temer, e eles nunca quiserem, talvez para não legitimar a TV Brasil. A gente nunca teve um viés.
CC: Integrantes do governo Temer também falam em má gestão para justificar a troca de comando da EBC. Qual é a situação da estatal do ponto de vista econômico?
RM: Como é uma empresa que foi concebida como uma empresa pública, ela não pode ser independente do governo. Então, junto com a lei de criação da EBC, foi criada uma contribuição para a comunicação pública, que não foi uma CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras] nem nada. Simplesmente foi uma realocação de arrecadação do Fistel [Fundo de Fiscalização das Telecomunicações], que é um fundo pago pelas empresas de telecomunicação. Mas as operadoras que deveriam pagar essa contribuição entraram na Justiça, em 2008, contestando esse pagamento.
Desde então, essa contribuição tem sido depositada judicialmente. Então a EBC tem 2 bilhões de reais detidos, à espera de uma decisão sobre o destino da contribuição. Na primeira instância, ganhamos em duas questões: no mérito, se o fundo pode ser cobrado, e sobre a liberação dos recursos para a EBC. Agora isso está em segunda instância. Agora você sabe como o Judiciário demora para resolver. Pode demorar um ano, dois, dez anos.
Afora isso, algumas operadoras voltaram a depositar esse dinheiro. A TIM, por exemplo, desistiu de recorrer e voltou a depositar normal. Essa parcela já representa 800 milhões de reais. Mas como não está regulamentado, esse dinheiro é retido pelo governo para fazer superávit primeiro. Então, na verdade, o nosso [da EBC] superávit é de 2,8 bilhões de reais. E esse ano nós estamos prevendo um déficit de 30 milhões em função da manutenção do serviço mínimo da empresa.
A EBC não é só a TV Brasil, é uma rede de rádios, NBR e Agência Brasil, que fornecem conteúdo para agências do Brasil inteiro. Então o fato é que nós não temos déficit. Bastava uma canetada para esse dinheiro ser transferido. E isso não é esse governo, o governo anterior também já fazia isso. Então, essa história de déficit de 30 milhões de reais é uma bobagem. É como dever 30 mil reais e ter patrimônio de 2 bilhões de reais. Perto do que está sendo liberado para outras coisas, pelo atual governo, isso não quer dizer nada.
CC: O que pode e pretende fazer pelo seu mandato?
RM: Tenho de seguir o que a lei diz. Sou contra essa MP, mas não posso transformar a EBC num bunker para derrubá-la. Sempre que for convidado, vou falar que essa MP é um ataque frontal à comunicação pública. Agora, na posição institucional de presidente da EBC, não posso reconvocar o conselho. Estou numa situação difícil. Tenho o Conselho de Administração comandado por pessoas nomeadas pelo Temer. Mas queria destacar que minha convivência com as pessoas têm sido da mais absoluta civilidade.
Eu não transformei a EBC em aqueles que são a favor do Temer e aqueles que são contra o Temer. Eu trabalho lá como um executivo, mas com convicções: em defesa da comunicação pública. Posso ser voto vencido várias vezes, todo mundo vai saber disso. Mas eu acho que estar lá nesse momento é um símbolo da defesa da comunicação pública. Meu papel institucional é importante neste momento: evitar o desmonte da EBC, sem desrespeitar a legalidade.
CC: Como o senhor avalia as medidas que foram tomadas pelo jornalista Laerte Rimoli no primeiro período em que ele assumiu seu cargo?
RM: Eu achei um absurdo terem cancelados os contratos de jornalistas, achei uma perseguição. Isso foi um aparelhamento. As pessoas foram demitidas sem nenhum motivo profissional. Eram pessoas que sempre trabalharam em grandes empresas, então foi uma medida de uma brutalidade absurda. Eu fui exonerado [na primeira vez] e nunca ninguém me ligou. Fiquei sabendo pelo Diário Oficial.
Tomaram posse clandestinamente. Às 8h da manhã, montaram uma cerimônia de posse. Uma falta de civilidade, de convívio democrático absurda. Quando eu voltei, eu poderia ter anulado todos os atos deles. Mas eu não fiz isso. Pelo contrário, aliás, vários diretores indicados por ele vieram me pedir para indicar pessoas e eu nunca fiz nenhuma restrição.
CC: Sobre a primeira gestão de Rimoli, os funcionários da EBC citam abusos como um suposto caso de censura em uma matéria que teria sido publicada pela Agência Brasil. O senhor tem conhecimento desse episódio?
RM: O episódio aconteceu quando eu estava fora. Eu acho errado retirar notícias. Isso é uma conduta errada e que não contaria, de maneira nenhuma, com a minha orientação. E realmente parece que houve isso. Acho que foi um erro. E se é um tipo de censura? Claro que é. Mas como eu não acompanhei o episódio…sob minha administração, isso não vai acontecer.
CC: O senhor acredita que esse episódio de censura pode ser um sinal do que deve ser a EBC na gestão do governo Temer?
RM: Sim. Acho porque a MP como ela está montada transforma a EBC em uma agência do governo. Nomeia todo mundo, tira todo mundo. Então a Medida Provisória coloca em risco a autonomia que a EBC deve ter. Tem duas coisas que garantem a autonomia: a manutenção do Conselho Curador e o financiamento. Sem isso, a EBC vai viver sempre ao sabor do governo de plantão
CC: O senhor conversou com Temer desde o início dessa disputa?
RM: O único com quem me encontrei foi Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil, quando fui reconduzido ao cargo pelo STF. Ele falou que a presidência da EBC era um cargo estratégico para o governo e perguntou minha opinião. Eu falei: “Posso conversar com o senhor, ministro, em 2020. Meu mandato é de quatro anos”. Ele me tratou muito bem, falou que entendia minha oposição e disse que continuaria a tentar mudar o presidente. Eu disse: “Ministro, vou continuar lutando pelo mandato”, fruto de uma lei aprovada pelo Congresso, inclusive com o voto do Temer.