(O Globo) Por uma infelicidade, o projeto do Marco Civil da Internet foi apanhado no fogo cruzado da crise política entre o PMDB do “blocão” e o Planalto. Vem de antes o impasse que brecou na Câmara a tramitação da proposta desta legislação, encaminhada ao Congresso pelo Executivo, por meio do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Mas a crise piorou o quadro.
Bem formulado, o projeto tem como relator o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), responsável por aprimorar a qualidade do texto. O grande obstáculo a um desfecho positivo na tramitação do Marco na Câmara é o conceito de “neutralidade de rede”, a que se opõem as empresas de telecomunicações, provedoras de serviços de internet, cujas teses têm sido defendidas na Câmara pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líder da bancada do partido e também da rebelião contra o Planalto deflagrada em parte do PMDB e base aliada. Desgostosos com os rumos tomados pela reforma ministerial em execução para reforçar apoios à reeleição da presidente Dilma, Cunha e pequenos partidos formaram o tal “blocão”, para agir de maneira coordenada no Congresso contra o Palácio.
Se Eduardo Cunha já se opunha ao Marco Civil, sua resistência tende a ser maior, pois ela funciona como troco por não ter demandas atendidas na reforma. E assim o projeto se converteu também em munição neste confronto.
Ressalte-se que o conceito de “neutralidade de rede” — pelo qual os provedores têm de oferecer, seja ao Google ou ao menos expressivo dos sites, as mesmas condições técnicas de transmissão de arquivos, velocidade e tamanho — é crucial para a manutenção da internet como um meio de fato aberto e democrático. Permitir condições facilitadas de transmissão, mediante pagamento, é a criação de barreiras à entrada no mercado digital de pequenos empreendedores, por exemplo.
A briga não é exclusividade brasileira. As chamadas telecoms movem campanha mundial contra a “neutralidade”, a fim de ganhar mais bilhões com a tarifação especial dos clientes. Nos Estados Unidos, acabam de obter vitória parcial na Corte de Apelação do Distrito de Columbia, Washington, a qual não considerou a Federal Communications Commission (FCC), agência do setor, com poderes legais de exigir a manutenção da “neutralidade de rede”. A guerra continua e deverá chegar à Suprema Corte.
No Brasil, diante do impasse existente, o melhor a fazer é o governo retirar o projeto do “regime de urgência”, e com isso destravar a pauta da Câmara, a fim de se ganhar mais tempo para negociações. A serem travadas num clima de serenidade. O assunto é importante demais para ficar ao sabor de um choque entre partidos e Planalto.
Acesse o PDF: Salvar o Marco da Internet da crise política (O Globo – 18/03/2014)