Mulheres contam machismos que não toleram nos parceiros

14 de março, 2014

(Terra) Na última semana de fevereiro, poucos dias antes do Dia Internacional da Mulher, a novela Em Família, de Manoel Carlos, exibiu uma cena polêmica em que não só estampou o machismo como também a violência à mulher. O personagem Laerte (Gabriel Braga Nunes), tido como ciumento desde o início da trama, reencontrou o amor antigo, a personagem Helena (Júlia Lemmertz). Os dois discutiram por fatos do passado, trocaram ofensas e até tapas. Episódios de ciúme possessivo, atitudes machistas e violência contra a mulher estão longe de fazer parte apenas da ficção.Uma pesquisa realizada pela empresa Expertise, em fevereiro, descobriu que 75% dos brasileiros enxergam o País como machista, no entanto, apenas um terço dos homens assume o comportamento. O Terra conversou com mulheres para saber o que pensam e como reagem em tais situações.

A estudante de enfermagem Cristina Santos já teve namorado com pensamento de que a mulher deve estar o tempo inteiro à disposição do homem, assim como aceitar a “natural agressividade” que seria fruto “da anatomia masculina mais forte”. Um deles “até incentivava” os estudos universitários, mas dizia que após o casamento tudo não passaria de “passatempo”, pois o foco feminino seria os deveres domésticos. “Outro me deixou pasma com a reação ao saber que eu não era mais virgem, ele me disse: ‘eu fui o primeiro de todas as minhas ex-namoradas e era assim que sabia que elas não eram fáceis’”, segundo ela, experiência sexual e promiscuidade caminhavam juntas para o namorado.

Outro acontecimento comum, de acordo com a analista de projetos sociais Mariana Carvalho, é a criação influenciar no tratamento com a parceira. Um antigo namorado dela a comparou com a mãe: “disse que ela deixava sempre o quarto dele arrumadinho e que eu era muito desleixada, como se fosse meu dever cuidar da sua bagunça. Foi quando eu não pude evitar e tive reação com um simples: ‘a pequena grande diferença é que não sou sua mãe’”. A nutricionista Rebeca Sato fez reclamação parecida sobre a visão dos homens de que as mulheres devem lavar a louça e arrumar toda a casa enquanto eles se divertem. “Pequenos reis são criados por mães que os servem, de modo que, quando crescem, esperam que a parceira faça o mesmo”, comentou a revisora de texto Julia Castro.

“O homem pode sair para se encontrar com os amigos enquanto a mulher fica em casa cuidando dos filhos. Por que não sair de vez em quando com ela? Todos merecem se distrair, e se ele sai, ela também pode”, argumentou a nutricionista. Foi uma situação parecida que fez a comunicadora Caren Lago colocar ponto final no relacionamento. Ciumento, o ex-namorado tentava controlar os encontros com as amigas e modo de vestir dela. “Ele sempre fazia escândalo quando eu não fazia o que ele mandava”, contou. Ela conseguiu “permissão” para sair com as amigas uma noite, mas no local apareceram alguns amigos, quando o namorado ligou e ouviu vozes de homens, disse: “fica aí com seus machos”, lembrou. Segundo Caren, o antigo parceiro classificava mulher com decote como “vagabunda”.

Rebeca teve que fazer acordo para usar determinados tipos de roupas apenas quanto estiver acompanhada do namorado para ele “protegê-la”. Já a assistente técnica de ONG Tuane Brasil sofreu com o ciúme do ex-namorado. “Ele sempre reprovava roupas curtas e decotadas”, contou. Além disso, começava uma briga sempre que ela conversava com amigos homens, com a desculpa de que ela estava interessada neles. “Os machistas sempre se acham os donos da verdade”, acrescentou. Apesar das situações, as duas não abaixam a cabeça: “faço valer minha opinião e os direitos iguais”, disse Rebeca.

Foi com essa frase que o ator Bruno Gissoni, que interpreta André na novela Em Família, se enrolou para falar sobre o personagem e foi alvo de críticas nas redes sociais. Na trama ele namorava Luiza (Bruna Marquezine), filha de Helena, e por vezes brigava com a parceira por ciúme. Assim como a mãe, Luiza também tem um relacionamento muito próximo com um amigo. Era justamente deste “triângulo” que Bruno estava falando, sobre o qual disse ser contra e que a situação – “de dar um beijinho na boca do amigo” – seria inaceitável. O ator ainda tentou consertar a opinião em relação ao machismo, mas não conseguiu.

“Ele colocou a mulher como alguém que deveria manter uma postura sempre recatada, quase santa e virginal. Enquanto provavelmente seria aceitável que ele olhasse para outras mulheres”, comentou Cristina. Mariana disse que o comentário do ator, sobre virar bagunça caso não exista um pouco de machismo, “é só uma repetição ao padrão”. Segundo ela, desde sempre o homem sexualmente livre é considerado “pegador” e a mulher “devassa”, o homem que não cuida da casa está cansado por trabalhar demais e a mulher é desleixada. Mesmo que esse sentimento seja “inconsciente”, como acredita Julia, é machista. O fato de não aceitar um “selinho” da namorada em outro homem não é machismo, segundo Tuane, o problema foi a afirmação do ator em relação ao comportamento e a relação com “bagunça”.

Ciúmes e machismo

Alguns homens, por ciúme da parceira, não querem que ela prospere, a impedem de estudar e trabalhar até, criticou Tuane. A linha tênue que separa um sentimento do outro é quando existe a imposição de comportamento, considerou Julia. “Acho que o ciúme passa a ser machismo quando o parceiro acha que os outros homens dão em cima da gente por culpa nossa. Alguns fazem questão de dizer que é porque andamos de maneira provocante”, acrescentou a jornalista Janaína Reis. Homens assim, na opinião de Janaína, enxergam a mulher como objeto.

Para as entrevistadas, o comportamento machista é oriundo da cultura patriarcal cultivada no Brasil e em vários países do mundo. Os costumes são mantidos como se homens e mulheres devessem ser diferenciados, como se fossem de classes com privilégios e obrigações distintas, argumentou Mariana. “Eles confundem a gentileza de preparar o jantar com a obrigação”, disse. As entrevistadas não estão dispostas a dar passos para trás e disseram que sempre diante de uma atitude machista ficam firmes pelos direitos das mulheres. “Discuto, debato e brigo até que fique claro que machismo só cria dois polos de poder em um relacionamento”, concluiu Julia.

*Os nomes verdadeiros das entrevistadas foram preservados

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