(Folha de S.Paulo) A proposta que reserva vagas para políticos de origem negra pode enfrentar resistência para avançar na Câmara. Líderes governistas e oposicionistas ouvidos pela Folha admitem que o projeto é polêmico e dizem que ele pode abrir brecha para o loteamento do Legislativo.
A cota racial foi aprovada anteontem pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) destina cadeiras para deputados de origem negra nas Assembleias Legislativas dos Estados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal, além da Câmara federal.
Leia também: CCJ da Câmara dos Deputados aprova cota racial para legislativos (O Estado de S.Paulo)
O texto precisa ser discutido por uma comissão especial na Câmara. Se aprovado, terá que passar por duas votações em plenário onde precisará de 308 votos dos 513 deputados, e depois seguirá para análise do Senado.
Para o líder do PDT, André Figueiredo (CE), a medida pode abrir brecha para outros segmentos exigirem reservas. “Vamos ter que fatiar muito o Parlamento”, disse.
Os líderes do PSD, Eduardo Sciarra (PR), do PP, Eduardo da Fonte (PE), e do Pros, Givaldo Carimbão (AL), questionaram a necessidade de cotas na disputa eleitoral.
Já o líder do PT, José Guimarães (CE), disse que a CCJ teve uma decisão corajosa.
“Essa não pode ser uma questão corporativa. Esse debate precisa ser feito pelo país e pelo Parlamento. Nós precisamos ser cada vez mais uma sociedade plural ou vamos ficar sempre com os mesmos atos e costumes”, disse.
Rubens Bueno (PR), do PPS, vê dificuldades para entender a proposta, assinada pelos petistas Luiz Alberto (BA) e João Paulo Cunha (SP).
“Sempre achei que cota se estabelece pela condição da renda”, afirmou ele.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), disse que só vai analisar a matéria na próxima semana para decidir sobre a instalação da comissão especial para debater o texto. Há uma fila na Casa com pedidos de criação de comissões para votar PECs.
O tema também divide constitucionalistas e ativistas. O advogado Ives Gandra da Silva Martins considera a medida inconstitucional. Para ele, a proposta fere o princípio da isonomia do voto e o direito de representação da população. “Admitiria se fosse uma cota na lista de candidatos dos partidos”, diz.
A Lei Eleitoral obriga os partidos a ter pelo menos 30% de candidatas mulheres, mas não estabelece percentual mínimo para negros.
O deputado Luiz Alberto, autor da PEC, afirma que criar uma cota étnica nas candidaturas, ao invés de reservar vagas nos parlamentos, não seria suficiente para resolver o problema da desigualdade.
“Quando você reserva, obriga os partidos a disputar essas vagas. Isso garante que lançarão candidatos e também que eles serão eleitos”, diz o parlamentar.
Favorável ao projeto, Carlos Roberto Siqueira Castro, professor de direito constitucional da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), concorda com o deputado.
“A eleição custa caro,e a comunidade afrodescendente, historicamente mais pobre, não consegue fazer carreira política dentro dos partidos”, diz.
Para o advogado Pedro Serrano, a proposta representa uma “interferência artificial da lei” no resultado das eleições. Ele diz ser a favor de cotas nas universidades, mas não para o parlamento. “Ideias, e não a etnia, definem a qualidade de um deputado”, diz.
A medida prevê que os eleitores votem duas vezes para deputado. Um desses votos seria exclusivamente nos candidatos que se declararem negros para disputar as vagas reservadas.
Com isso, os postulantes cotistas poderiam ser eleitos com votação inferior àqueles da lista geral. Luiz Alberto lembra que o sistema atual já permite que deputados com bom desempenho nas urnas garantam vagas para colegas menos votados.
Ele diz que os políticos negros também poderão escolher disputar pela lista geral.
Crítico das cotas em vestibulares, José Roberto Militão considera a PEC racista. “A cota é segregar um direito com base na raça. A inclusão não pode ser compulsória.”
Acesse o PDF: Cotas para deputados terão aprovação difícil (Folha de S.Paulo – 01/11/2013)