(Correio Braziliense) Elas se uniram e criaram o movimento para enfrentar a onda de hostilidade aos filhos gays. A principal bandeira é a criminalização do preconceito motivado por orientação sexual ou identidade de gênero.
No aconchego do sofá, assistindo à televisão em família, a advogada Maria Claudia Canto comentou com os filhos que uma tia deles havia saído do armário e que estava morando com uma mulher. Pediu aos dois que não tivessem preconceito. O filho mais novo não demorou para demonstrar o espanto com a instrução da mãe. “O que tem a ver? Por que nós faríamos isso? Sempre vejo a Isabella ficando com meninas e acho normal”, comentou, sem titubear. A jovem tinha 16 anos e ainda não havia conversado sobre a homossexualidade com a mãe.
Nesse momento, a primeira reação de Isabella Canto Vieira, hoje com 20 anos, foi de medo. “Eu não sabia qual era o posicionamento da minha mãe em relação a isso. O clima ficou tenso e ela me perguntou: “É verdade, minha filha, que você anda ficando com menininhas?”. Eu confirmei e ficou tudo bem”, lembra a estudante. Hoje, a garota conta a história dando risada, mas, na época, o diálogo a deixou apreensiva. Anos mais tarde, elas descobriram que, para Maria Claudia, a saída do armário havia acontecido antes, em uma conversa no carro. “No fundo, eu sempre soube. Para mim, nesse momento em casa, eu já sabia. Não falei muita coisa e, por isso, ela ficou nervosa”, explica a mãe, hoje com 44 anos.
Após o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) declarar, em junho de 2011, que prefere “que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”, uma movimentação de mães iniciou-se no país. Em defesa à identidade de gênero dos filhos, elas se reuniram e formaram o Mães pela Igualdade, um grupo de pressão política. Atualmente, as principais bandeiras delas são a aprovação do Projeto de Lei nº 122/2006, que criminaliza a discriminação motivada pela orientação sexual ou pela identidade de gênero da pessoa, e o registro civil de pessoas transexuais. Recentemente, permitiram que pais engajados também fizessem parte da movimentação.
Guerra velada
Maria Claudia participa do grupo desde a criação, o que, às vezes, causou um pouco de constrangimento em Isabella. A estudante, no entanto, se orgulha da mãe pela luta. “Ela queria tirar fotos comigo, me apresentar para os amigos, foi chato. Mas esse movimento ajuda muito. Traz à tona um clima de Mães de Maio, tem um viés político. A homofobia no Brasil funciona como se estivéssemos em uma guerra velada, na qual governo e igrejas não querem falar sobre isso”, comenta a jovem, que acredita que tudo que essas mães querem é lutar pela sobrevivência dos filhos. “Nós temos a proposta de afirmar que isso é uma coisa natural da vida, que esses seres são sujeitos ao direito tanto quanto os outros”, afirma a mãe.
A designer Kátia Ozório, 40 anos, sempre teve um ambiente familiar muito tranquilo em relação à sexualidade dela. Aos16 anos, ela levou a primeira namorada em casa e todos trataram o assunto com muita naturalidade. Talvez por ter vivido um clima amistoso com pais e irmãos, nunca teve muito interesse em militar. “Quando eu tinha uns 18 anos, conversamos sobre o assunto pela primeira vez. Minha mãe disse que achava que eu seria prejudicada por isso, porque teria que mentir e me esconder por toda minha vida. Mas meus pais relaxaram quando viram que isso era muito natural entre as pessoas com quem eu convivia”, lembra.
Adesões
Ao ver o esforço do Mães pela Igualdade, Kátia decidiu ajudar: chamou a mãe, hoje com 67 anos, para dar uma palestra sobre o assunto. Ela atua hoje pelo grupo em Porto Alegre, onde mora. A última grande vitória da família foi em 2012, quando Kátia conseguiu se casar com a mulher com quem tinha um relacionamento de sete anos, a jornalista Letícia Perez, 39 anos. O casal tentou, por quatro anos, obter a autorização judicial até conseguirem a união legal.
A luta era pessoal, mas acabou tornando-se um símbolo nacional. “Se a pessoa é heterossexual, essa preocupação não existe, porque isso acontece desde que o mundo é mundo. O que não passa pela cabeça das pessoas é que, se você constrói uma vida junto e se acontece algo com o parceiro, esse direito deve ser irrefutável”, comenta Letícia. Atualmente, a luta do Mães pela Igualdade – e de todo movimento de gays, lésbicas, travestis e transexuais – é que isso seja garantido na Constituição Federal.
Na casa de Letícia, o processo foi mais complexo que o enfrentado por Kátia. Atualmente, a família lida bem com o casamento dela, mas isso nem sempre foi assim. “Milito sempre que posso, a gente não pode perder os direitos que conquistamos. Na nova geração, que é muito mais flexível, tem pessoas que não se dão conta do quanto foi duro conquistar essa liberdade”, afirma. Mesmo sem perspectiva de ter filhos, o casal participa do movimento de mães e pais por acreditar na honestidade da luta das pessoas engajadas. “Você não pode questionar o amor de uma mãe. Contra isso, não há pastor evangélico que chegue a tempo”, garante Letícia.
Enfrentamento da impunidade
Em atividade há sete anos, o grupo Mães de Maio é formado por cerca de 70 mulheres que cobram a Justiça pela morte de seus filhos. Elas acusam policiais militares, direta ou indiretamente, de terem sido responsáveis pelos assassinatos. O grupo pede a desmilitarização da polícia, a criação de uma política de apoio aos familiares de vítimas da violência do Estado e o registro dos mortos por policiais como homicídio, e não como “resistência seguida de morte”, utilizado atualmente.
Acesse o PDF: Mães contra a homofobia (Correio Braziliense, 05/11/2013)