11/11/2013 – Primeira mulher porta-voz do governo de Gaza fala à ‘Folha de S.Paulo’

11 de novembro, 2013

(Folha de S.Paulo) Encarada sarcasticamente por Israel como o “novo rosto do terrorismo”, Isra al-Modallal, 23, se encontra com o repórter sem deixar de sorrir. Na semana passada, Isra, que cresceu num campo de refugiados, começou a trabalhar como porta-voz do governo da facção Hamas, que controla a faixa de Gaza desde 2007. Divorciada, ela tem de lidar com o preconceito na região. “Mas sou uma mulher forte”, diz.

É minha primeira semana no cargo de porta-voz do governo de Gaza. Fiquei famosa! Tenho muito trabalho. Eu não consigo mais descansar.

Nasci no Egito. Minha irmã tem nacionalidade irlandesa, meu irmão tem nacionalidade inglesa. Só eu é que não tenho nacionalidade europeia. Sou apenas palestina.

Eu cresci em um campo de refugiados, em Rafah, na fronteira egípcia. Não era uma vida normal, não era uma vida para humanos.

Aprendi a brincar sem brinquedos, a inventar jogos com pedras. Foi uma escola. Passei a enfrentar situações sem timidez, com orgulho.

Minha sabedoria veio das ruas, e não das pessoas mais velhas, apesar de os meus dois pais terem doutorado.

Estudei no Reino Unido de 2000 a 2004, no ensino fundamental. Londres mudou a minha vida. Me ensinou a aceitar as outras opiniões.

Eu era muito religiosa lá, porque entendia as coisas boas do islã. Não sou mais tão religiosa desde que voltei. Quando você vive em uma sociedade tão fechada, passa a pensar diferente.

Voltei para Gaza, onde fiz ensino médio. Estudei comunicação na Universidade Islâmica. Fui correspondente da Press TV por seis meses, mas saí de lá porque não gostava da política.

O governo de Gaza me convidou para ser porta-voz há um ano, mas recusei. Eu amava meus programas na TV.

Eu tinha recusado o cargo, mas a situação mudou. Queria progredir na vida, ter mais conhecimento. Sofro com a situação em Gaza e quero estar em uma posição em que atinja mais pessoas.

DIVÓRCIO

Estou escrevendo um romance. É sobre a mente fechada dos palestinos em Gaza e sobre as mulheres aqui.

Eu me divorciei aos 20 anos. Tenho um filho de quatro anos. Isso tudo é difícil. Mas sou uma mulher forte.

Além de escrever, sei tocar o alaúde. Mas meu pai não sabe disso, então não traduza essa reportagem para o inglês ou para o árabe!

Tenho um problema não com a religião aqui, mas sim com como as pessoas pensam. Eu aceito a minha sociedade, mas não preciso ser como eles. Não tento ser como os outros. Tenho coisas únicas em mim. Não tenho medo.

Aqui, as pessoas respeitam a mulher como ela é. Não tenho dúvida. Usar o véu é uma opção. Eu mostro que sou uma muçulmana.

ROSTO

Não faço parte de nenhum partido. Não lido com as questões de maneira política, mas humanitária. É assim que podemos ter sucesso.

Antes de tuitar, preciso saber qual é a posição do governo e escrever de uma maneira que o Ocidente possa entender. Se eu não concordo com o governo, não faço um comunicado.

Quer fazer uma fotografia? É claro. Adoro ser fotografada. A mídia israelense diz que eu sou o “novo rosto do terrorismo”. Preciso sorrir.

Acesse o PDF: A dama do Hamas, por Diogo Bercito (Folha de S.Paulo – 11/11/2013)    

 

 

 

 

 

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