(Rádio Câmara) 2013 foi o ano de aprovação de uma emenda à Constituição chamada, por muitos, como a segunda abolição da escravatura no Brasil. A mudança acabou com a distinção que existia entre os direitos dos empregados domésticos e dos demais trabalhadores. Alguns pontos ainda dependem de regulamentação e aguardam votação aqui na Câmara. Reportagem especial desta semana faz uma retrospectiva do ano que está terminando. Confira o capítulo de hoje, com Carolina Nogueira.
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Depois de três anos de debate no Congresso, a aprovação, em abril de 2013, da mudança na Constituição que estabeleceu mais direitos trabalhistas para os empregados domésticos foi comemorada. Aprovada por unanimidade na Câmara e no Senado, a chamada PEC das Domésticas é considera pela categoria como a correção de uma injustiça histórica, como enfatiza a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria Oliveira.
“Esse direito para a categoria é questão de reparação. São mais de 500 anos que esses trabalhadores contribuem para economia, fazem parte. A categoria tem que ser tratada como qualquer trabalhador ou trabalhadora do país.”
Com a aprovação da PEC, as empregadas domésticas passaram a ter direito à jornada de trabalho de 44 horas semanais, sendo no máximo 8 horas por dia. A hora extra passou a ser remunerada, e seu valor é de no mínimo 50% a mais do valor da hora normal trabalhada. Elas agora têm direito à estabilidade em razão da gravidez e de licença-maternidade de 4 meses.
Como já estava previsto desde 1988, os trabalhadores domésticos continuam a ter direito ao salário mínimo, a férias de 30 dias com adicional de um terço na remuneração e ao vale-transporte.
Novas rotinas
A nova lei mudou a rotina de trabalho de muitas domésticas e chamou a atenção para o cumprimento da jornada de trabalho. Denise passou a assinar o ponto todos os dias com horário de chegada e saída – e as horas extras passaram a ser declaradas oficialmente e devidamente remuneradas por sua patroa. “E com a hora extra melhorou bastante. Hoje nós temos não só deveres, mas também direitos.”
Para as famílias que exigiam jornada maior de oito horas e não pagavam as horas extras, no entanto, houve impacto financeiro – o que causou um temor de demissão em massa, como destaca o deputado Jair Bolsonaro, do PP do Rio de Janeiro:
“A demissão em massa se fará presente. E não só a ampregada doméstica vai ser demitida, mas como aquela muher que trabalhava fora e ganhava R$ 1,5 mil por mês vai voltar para dentro de casa. A roda da economia vai parar de girar.”
Em setembro de 2013, o IBGE atestou de fato uma retração no emprego doméstico – na comparação com o ano anterior, o número de empregadas caiu 10,6% em seis capitais. Mas para o instituto a queda acompanha uma tendência histórica de migração do trabalho doméstico para outros setores da economia – e não um impacto direto da ampliação dos direitos.
Hoje, metade das trabalhadoras domésticas tem mais de 45 anos – há dez anos, apenas 30% estavam nessa faixa etária, o que aponta uma tendência de que a categoria não se renove. Denise tem 37 anos, já usa as horas livres do dia para se capacitar e não pensa em ser doméstica para sempre.
A espera pela regulamentação
O Congresso ainda discute vários aspectos da mudança na Constituição que dependem de regulamentação. O projeto de lei que regulamenta os novos direitos já foi debatido na Comissão Mista e aprovado pelo plenário do Senado. Agora ainda precisa ser votado pela Câmara.
O texto que será analisado pelos deputados define um horário máximo de plantão de 12 horas, com 36 horas de descanso, torna obrigatório o registro do ponto, define que horas extras podem ser computadas em um banco de horas e devem ser compensadas em um ano, além de estabelecer as regras para o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço das empregadas domésticas – um assunto polêmico, onde o desafio é garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores sem onerar demais as famílias.
A solução foi concentrar todos os encargos do empregador numa alíquota única de 20% do valor do salário pago: 8% de contribuição patronal ao INSS, mais 8% relativos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e 3,2% que funcionam como um recolhimento antecipado, pago mês a mês, para financiar a indenização de 40% por dispensa do empregado sem justa-causa. Os 0,8% restantes são relativos ao seguro acidente de trabalho.
A diluição da multa por demissão sem justa causa nos encargos mensais foi um dos assuntos mais polêmicos na Comissão Mista. O relator, senador Romero Jucá, do PMDB de Roraima, deixou claro no texto que a indenização não vai ser aplicada quando houver justa causa, com roubos ou violência comprovados.
As mudanças na Constituição foram comemoradas como uma nova abolição da escravatura. Mas a categoria não está satisfeita com os rumos da regulamentação. Para a deputada Benedita da Silva, do PT do Rio de Janeiro, do jeito que está hoje, a nova lei cria tratamentos diferenciados e desfaz a promessa de equiparação dos direitos com os demais trabalhadores.
“O objetivo era equipará-las com os demais trabalhadores. Fizemos essa emenda que resgatou o direito igual aos dos demais trabalhadores. Não podemos, através de um projeto de lei, retirar tudo aquilo que comemoramos como a extinção da segunda escravidão. Elas não aceitam em nenhuma hipótese que retirem delas esses direitos.”
A regulamentação da Emenda à Constituição que garante direitos aos trabalhadores domésticos deve ser votada pela Câmara em 2014.
Acesse o PDF: Retrospectiva 2013: direitos iguais para empregados domésticos e demais trabalhadores (Rádio Câmara, 17/12/2013)