(O Globo) A despeito da ampla tendência mundial de defender, garantir e ampliar os direitos dos gays, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, assinou em junho lei que proíbe “propaganda de relações sexuais não tradicionais”. O objetivo declarado do governo é “proteger as crianças”. Pesquisas mostram que a maioria absoluta dos russos o apoia. Mas, num espectro mais amplo, a lei é vista como um esforço para tornar insuportável a já difícil vida dos homossexuais na Rússia, e reprimir ações a favor dos direitos dos gays no país.
O timing é estranho. Seria inevitável que causasse enorme controvérsia num ano em que a Rússia sediou os Jogos Mundiais Universitários e sedia o Campeonato Mundial de Atletismo, em Moscou. E vai receber, em 2014, em Sochi, os Jogos Olímpicos de Inverno. Vários atletas estrangeiros começaram a se manifestar contra a lei. O que levou a musa russa do salto em altura, Yelena Isinbayeva, tricampeã mundial em Moscou, a criticar a atitude desses atletas como “falta de respeito com nosso país e nossos cidadãos, pois somos russos. Talvez sejamos diferentes de outros europeus, de pessoas de terras diferentes. Temos nossa lei, que todos devem respeitar”. Mas sexta-feira a atleta desmentiu tudo o que dissera, alegando ter sido mal interpretada por não falar bem inglês.
A iniciativa de Putin teve repercussão mundial e ensejou movimento de boicote a Sochi 2014, o que deixa os organizadores russos temerosos, pela lembrança do boicote às Olimpíadas de Moscou 1980, devido à invasão soviética do Afeganistão. Entidades esportivas, como o COI, tentam tranquilizar atletas e espectadores estrangeiros que irão a Sochi, mas, nos bastidores, pedem esclarecimentos ao Kremlin. Grupos de defesa dos homossexuais protestam. Bares gays na Europa Ocidental e nos EUA deixam de servir vodca russa. Críticos fazem paralelos com as Olimpíadas de Berlim 1936 e a perseguição nazista a judeus, ciganos e homossexuais, entre outros grupos. Se nada mudar, a polêmica poderá continuar nos próximos anos, já que a Rússia hospedará a Copa do Mundo de 2018 e é candidata a sede da Exposição Mundial de 2020.
O presidente Obama afirmou não ter “paciência com países que tentam tratar gays, lésbicas e transexuais de forma a intimidá-los ou prejudicá-los”. Não se pode dizer, contudo, que a homofobia não esteja de acordo com o padrão russo. Não se trata mais do duro castigo imposto individualmente aos dissidentes na era soviética, mas de pressionar e controlar os grupos da sociedade civil de forma autoritária. Há um ano, o Parlamento aprovou lei que autoriza o bloqueio de sites da internet que estejam na lista negra do governo russo. A rede foi a principal plataforma de expressão do descontentamento com os resultados das eleições legislativas de dezembro de 2011 e presidenciais de março de 2012, que colocaram Putin mais uma vez na presidência.
Iniciativa de Putin faz parte de ação para controlar sociedade civil, mas cria problemas para o país devido à repercussão negativa, inclusive no esporte.
Acesse o PDF: Lei contra gays se encaixa no padrão do Kremlin (O Globo, 18/08/2013)