(Folha de S.Paulo) A tunisiana Amina Tyler, 19, divulgou em março imagens suas com os seios desnudos. Em seu corpo, a garota escreveu “Foda-se sua moralidade” e “Meu corpo é minha propriedade, e não é a honra de ninguém”. Ameaçada de morte por conservadores no seu país, ela diz ter sido sequestrada pela própria família –e fugiu na semana passada.
No meio tempo, mobilizou as feministas do grupo Femen em vários países por sua causa. Ela pode ser sentenciada a seis meses de prisão.
Quando era mais nova, meu sonho era o mesmo das outras garotas. Queria me casar com o homem certo, comprar uma casa, ter família.
As coisas começaram a mudar há três anos. Passei a ler sobre feminismo, na internet. Meu sonho é convencer as mulheres de que são livres.
Na escola, descobriram que sou agnóstica e feminista. Todos ficaram contra mim. Não era diferente do que eu vivia dentro da minha família. Tentavam me convencer a mudar minhas convicções.
Foi duro para uma parte de mim. Mas a outra parte não ligava. Você ouve e joga no lixo. Minhas opiniões são a única coisa certa para mim.
O melhor exemplo de feminismo é o Femen [grupo de origem ucraniana que realiza protestos topless pelo mundo]. Tudo o que é radical me serve.
Fizemos manifestações pacíficas na Tunísia e nada mudou. Agora os islamitas [que controlam o governo do país árabe] pensam que estamos assustadas, que não somos fortes.
Os extremistas não querem ver o corpo da mulher. Dizem que é pornografia. Eles têm medo de que uma garota abra um livro. Mostrar meus seios é horrível para eles, e eu quero provocá-los. Quero mostrar o que não querem ver.
Um dia, espero que alguma coisa mude. As mulheres vão estar convencidas de que são livres. Vão poder fumar seus cigarros, fazer o que quiserem e ser felizes.
A história das fotos que tirei é bem engraçada, por isso estou rindo [enquanto conto]. Eu estava hesitante quando escrevi “Foda-se sua moralidade”. Não esperava que fosse ter esse impacto.
Então, conversando com meus amigos, tive a ideia de fazer as outras fotos. Pensei por duas semanas até chegar ao slogan “Meu corpo é minha propriedade, e não é a honra de ninguém”.
Muitas pessoas ficaram contra mim. Disseram que eu merecia ser apedrejada.
Minha família não se importava com o fato de que eu não uso o hijab [véu]. Isso não era um problema. O problema, para eles, foram as minhas fotos na internet. Ver meu topless foi inaceitável.
Minha tia me ligou um dia pela manhã e perguntou: “É você nessas fotografias?”. Depois disso, todo o mundo começou a me telefonar.
Fugi da minha família e fui para a casa de amigos, mas eles me encontraram em um café. Meu primo me pegou. Eles foram tão violentos. Alguns me bateram.
Em casa, tentaram me exorcizar mais de cinco vezes, mesmo sabendo que não sou muçulmana. Também me fizeram repetir trechos do Corão todos os dias.
Quebraram meu celular. Tomaram meu laptop. Fizeram de tudo para me esconder do mundo por um mês.
Fiquei primeiro na casa da minha avó. Depois, na casa dos meus pais. Então fomos para a casa de parentes, em um vilarejo no interior.
Nesse tempo, fizeram um teste de virgindade em mim. Não sei o porquê. Foi horrível. Minha família também me deu remédios para eu dormir o dia todo. Mas fui forte.
Nunca em toda a minha vida tomei remédios. Só durante esse mês. Agora querem dizer que sou louca.
Eles estão pensando apenas na própria reputação. Eu esperava que minha família se voltasse contra mim, mas não desse modo.
Não fiquei assustada, porque não tinha dúvidas de que muitas pessoas ao redor do mundo me apoiavam. Vi fotos de brasileiras de topless segurando cartazes com os dizeres:”Liberte Amina”. É isso que me fortalece.
Fugi da minha família há uma semana. Todos estavam ocupados fazendo alguma outra coisa, então aproveitei a oportunidade e corri, de pijama. Mesmo se estivesse pelada, teria fugido.
Mudei meu cabelo para ninguém me reconhecer, especialmente os islamitas.
Na época do Ben Ali [ditador tunisiano derrubado do poder em 2011], as mulheres estavam melhores que agora.
Ele era um ditador na política, mas não impunha uma ditadura sobre as mulheres. A situação está horrível. As mulheres usam burca, coisa que não usavam antes.
Estou tentando organizar um protesto topless. Queremos, o Femen e eu, algo que envolva outras mulheres tunisianas. Depois, vou direto para o aeroporto. Quero ir para a França. A polícia já está me procurando aqui.
Tenho de partir porque nenhuma escola na Tunísia vai me aceitar. Estou reunindo os documentos. Minha família queimou meu passaporte.
Acesse em pdf: Meu corpo é me pertence (Folha de S.Paulo – 19/04/2013)