(Folha de S.Paulo) A juíza e desembargadora aposentada do TJ-RS, Maria Berenice Dias, é especialista em direito homoafetivo. “As pessoas sempre acham que, como me interesso por essas questões, sou homossexual”, diz ela, que é também vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Em entrevista à repórter Cristina Grillo, Maria Berenice diz:
“Fui muito discriminada como mulher. Quando decidi prestar concurso no RS, as inscrições de mulheres não eram nem mesmo aceitas. Decidi então que brigaria sempre contra o preconceito. Naquela época, nós mulheres éramos as vítimas. Agora, são os homossexuais”
“No mundo legislativo estamos muito atrasados. Não há leis que garantam os direitos dos homossexuais. Os legisladores dão a impressão de terem medo de patrulhas conservadoras, que os farão perder os votos de seus eleitores caso sejam favoráveis a esses temas”
Segundo ela, o motivo de seu interesse pelo tema vem desde a década de 70, “quando teve que brigar muito contra a discriminação para se tornar juíza no Rio Grande do Sul, onde nasceu e vive. Ao ser admitida na magistratura, prometeu que ia lutar contra o preconceito -no passado, direcionado às mulheres; agora, aos homossexuais”.
Para a advogada, que coordena esta semana no Rio o 1º Congresso Nacional de Direito Homoafetivo, os tribunais brasileiros têm avançado, mas ainda faltam leis específicas para que direitos já garantidos aos casais heterossexuais, como união estável, herança e adoção, sejam estendidos aos homossexuais.
Leia a seguir trechos da entrevista:
“Folha – O direito brasileiro é avançado na questão dos direitos dos homossexuais?
Maria Berenice Dias – Podemos dizer que os tribunais avançam bem nessas questões e têm tomado decisões bastante coerentes, modernas. Mas não há leis que garantam os direitos dos homossexuais. Os legisladores dão a impressão de terem medo de patrulhas conservadoras, tradicionalistas, que os farão perder os votos de seus eleitores caso sejam favoráveis a esses temas.
Como os tribunais podem ser modernos se as leis não são?
Usa-se a legislação disponível para tentar organizar situações que existem de fato. É o caso da união entre pessoas do mesmo sexo. As leis brasileiras estabelecem que o casamento é a união de um homem e uma mulher. Assim, a solução para que casais homoafetivos é estabelecer contratos de sociedade, o que faz com que eles não criem uma família, mas que sejam sócios. É um subterfúgio para tentar legalizar uma relação de afeto que existe concretamente.
Isso não é suficiente para dar segurança jurídica aos casais homossexuais?
Fica uma justiça de meia-sola. Os bens conjuntos podem ser divididos. Mas não funciona em caso de morte de uma das partes. A pessoa pode construir uma vida inteira ao lado de outra, mas se o parceiro morre, não tem direito à herança nem tem direito à habitação.”
Leia a entrevista na íntegra: Juiz precisa ‘adaptar’ lei por direito de gays, diz advogada (Folha de S.Paulo – 20/03/2011)