(O Globo) Os direitos humanos trazem a marca de seu tempo histórico e expressam processos sociais e lutas politicas. É neste contexto que adquire sentido e coerência o atual embate entre um pastor evangélico parlamentar e Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional e movimentos sociais que defendem o estado laico e secular , livre de interferências religiosas.
Chamo atenção menos para a figura individual do referido pastor e mais para o que ele representa: forças conservadoras que avançam a passos acelerados no cenário político do Brasil, politizando a religião e buscando, a partir de dogmas , interpretações de textos sagrados e de crenças religiosas, interferir em leis, programas, e prioridades de um Estado laico. Exercem papel desestabilizador da separação entre Estado e Igreja, pilar da Republica . Ameaçam o principio democrático de respeito a diversidade e aos direitos de cidadania que devem ser exercidos de forma igual por todos, independente de diferenças de crenças, raça e etnia, gênero, orientação sexual. Nosso cenário me faz lembrar, com apreensão, o Oriente Médio onde partidos religiosos como a Irmandade Muçulmana e os Salafistas ,ainda mais conservadores, vem ocupando espaços significativos nas instancias políticas.
Vemos, no caso do Brasil, a interferência política constante e articulada de forças conservadoras religiosas , particularmente no campo dos direitos reprodutivos e sexuais, de forma a produzir retrocessos e paralisações no processo histórico de ampliação do alcance e do conceito de direitos humanos. Desde a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 a gramática destes direitos vem se expandindo. Pobreza, sexo, raça e etnia, orientação sexual , definiram ,ao longo dos seculos, cidadãos de primeira e segunda categoria em uma clara negação do principio universal de que o único requisito para a titularidade de direitos humanos seria o pertencimento à especie humana . Este quadro está se transformando. Como resultado de embates e negociações, a arquitetura dos direitos humanos vem sofrendo mudanças significativas, incorporando novos sujeitos de direitos e novas dimensões da vida em seu edifício. Tal arquitetura tem seus alicerces na ONU , em tratados, convênios, declarações, dentre outros instrumentos internacionais e regionais , e no marco normativo dos estados nacionais.
Entretanto, tudo que é sólido se desmancha no ar….. Assistimos a um momento particularmente tenso e preocupante em nosso país, não só pela influencia cada vez maior de atores que ameaçam a ampliação dos direitos humanos e propõe retrocessos, como pelas dinâmicas internas de negociação vigentes em nosso Congresso Nacional que permitiram que se chegasse a situação atual de ameaça ao avanço dos direitos de cidadania para todos, iguais em direitos apesar de sua diversidade.
São estes direitos humanos que garantem toda e qualquer liberdade, inclusive a religiosa. Esperemos que o país consiga caminhar nesta direção, evitando retrocessos e ousando avançar.
Acesse o PDF: À beira do retrocesso (O Globo, 21/06/2013)