(Adital) Soa no mínimo estranho ter sido instituído o dia 21 de outubro como Dia Nacional de Valorização da Família. Claramente, mais uma das tantas tentativas de formatar os vínculos afetivos dentro de um único modelo conservador: matrimonializado, patriarcal, patrimonial, indissolúvel, hierarquizada e heterossexual.
O fato é que, tanto o Estado, como todas as religiões, credos e crenças, sempre tentaram amarrar e eternizar os vínculos afetivos. Para isso foi criado o casamento. Simples contrato considerado uma instituição, um sacramento, com a só finalidade de impor ao par o dever de se multiplicar até a morte.
A sacralização do matrimônio como única forma de constituir família sempre teve –e ainda tem– efeitos nefastos. Durante mais de meio século as uniões extramatrimoniais, chamadas de marginais ou ilegítimas, não eram consideradas família. Com isso, a justiça fez legiões de mulheres famintas, pois nunca lhes concedeu nem alimentos, nem direito a qualquer bem.
As uniões paralelas são outro exemplo. Batizadas mais recentemente com o nome de poliamor ou uniões poliafetivas, continuam alijadas do sistema legal, na vã tentativa de fazê-las desaparecer. Mas condenar à invisibilidade, negar efeitos jurídicos, acaba por chancelar o enriquecimento injustificado do homem quem mantém duplo relacionamento.
De igual modo, as uniões formadas por pessoas do mesmo sexo, que são alvo da mais perversa exclusão social e legal. A saída foi criar a expressão homoafetividade, que ressalta mais a natureza afetiva do que meramente sexual do relacionamento. Certamente foi o que levou a justiça a reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar e assegurar acesso ao casamento.
Mas não basta a construção jurisprudencial. Há a necessidade de uma legislação, não só para conceder direitos, mas também para criminalizar a homofobia. Este foi o compromisso assumido pela OAB ao elaborar o Estatuto da Diversidade Sexual e coordenar um movimento nacional de coleta de assinaturas para apresentá-lo por iniciativa popular.
Mas, o que se vê no Dia Nacional de Valorização da Família são comemorações promovidas por igrejas evangélicas afrontando até o que preconiza a Constituição Federal, que reconhece como entidade familiar, merecedora da especial proteção do Estado, não só o casamento como também a união estável e a família monoparental.
Na realidade dos dias de hoje é indispensável ter uma visão plural das estruturas vivenciais, inserindo no conceito de entidade familiar todos os vínculos afetivos que, por imperativo de ordem ética devem gerar direitos e impor obrigações.
Não é mais possível viver em um mundo que exclua pessoas do direito à felicidade. Afinal, esta é a finalidade da sociedade e a razão de ser do Estado. Por mais piegas que possa parecer, é só isso que todos queremos: o direito de ser feliz.
Acesse o PDF: [21 de outubro. Dia Nacional de Valorização da Família] Que família? (Adital – 21/10/2013)