23/10/2013 – Impasse atrasa creches e apenas 24% das crianças têm acesso às unidades

23 de outubro, 2013

(O Globo) Para tentar cumprir pelo menos metade da meta de entregar 8.685 creches até o fim do seu mandato, a presidente Dilma Rousseff vem acelerando a inauguração dessas obras, como fará hoje em Belo Horizonte. Mas quanto mais creches inaugura, mais cresce a pressão dos prefeitos para que a União aumente a ajuda federal para o custeio e financiamento do ensino infantil de 0 a 5 anos — que, de acordo com a Constituição, é responsabilidade dos municípios. Do total de 10,5 milhões de crianças de 0 a 3 anos, apenas 2,5 milhões (24%) estão em creches públicas (1,5 milhão) e privadas (980 mil). A meta do governo é pôr 50% dessas crianças na creche em dez anos, mas o objetivo esbarra nas alegadas dificuldades financeiras das prefeituras.

Com 1.180 creches abertas em sua gestão, Dilma teria que inaugurar 31 novas unidades por dia até junho de 2014 para cumprir a meta traçada. Hoje, Dilma volta pela 16ª vez a Minas Gerais, terra do adversário Aécio Neves (PSDB), para participar da inauguração de uma Unidade Municipal de Ensino Infantil (Umei), um dos principais programas do prefeito Márcio Lacerda, do PSB. Com uma parcela menor de recursos federais, as Umeis são construídas no modelo de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Já inaugurada no início de setembro, a creche-escola de Vila Clóris custou R$ 3,6 milhões, sendo R$ 2,2 milhões da prefeitura e R$ 1,4 milhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Segundo dados da Pnad e do Ministério da Educação, em 2012 existiam 10,5 milhões de crianças com idade de 0 a 3 anos, e dessas, apenas 2,54 milhões matriculadas em creches. O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, diz que esse número chega a 11 milhões, se tomado todo o universo de crianças em idade de 0 a 5 anos, que integra o ensino de creche (0 a 3 anos), pré-escola (3 a 4 anos) e ensino infantil (de 4 a 5 anos e 9 meses).

Embora a construção das creches seja solicitada pelas prefeituras, Ziulkoski diz que a manutenção das unidades tem sido uma dificuldade a mais para as contas municipais. Os prefeitos querem as creches para atender a demanda da comunidade, mas depois não conseguem mantê-las com recursos próprios. Em função dessa dificuldade, afirma Ziulkoski, há nos registros da CNM 387 ações da Justiça obrigando prefeitos a botar as creches para funcionar.

– O governo da presidente Dilma previa antes a construção de 6 mil creches. Agora, subiu para 8,6 mil, mas as prefeituras estão quebradas e não têm como mantê-las funcionando – disse o dirigente da CNM. – O problema é o custeio. Vamos inverter então: os prefeitos constroem e a União mantém. Criam esse elefante branco e depois o Ministério Público e a população caem em cima dos prefeitos.

Segundo Ziulkoski, as prefeituras têm que cumprir a Constituição e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que estabelece que a educação infantil é responsabilidade dos municípios. Ele diz que a União coloca apenas 10% do que estados e municípios aplicam em Educação. Pelos cálculos da CNM, em uma creche de tempo integral, cada aluno custa R$ 800 por mês, mas a União só repassa R$ 300 por aluno.

– Se tem uma creche com 300 alunos, por exemplo, o gasto extra dos prefeitos é de R$ 150 mil por mês e cerca de R$ 2 milhões por ano – reclama Ziulkoski.

MEC fornece recursos

A assessoria do MEC rebate Ziulkoski e diz que a União garante, além da construção, o custeio do primeiro ano de funcionamento das creches, até que o município receba os recursos do Fundeb, já que os repasses são feitos posteriormente com base no número de matrículas. Além disso, caso as creches atendam alunos do Bolsa Família, o governo federal, por meio do programa Brasil Carinhoso, repassa 50% a mais do valor da matrícula.

O MEC diz ainda, por meio da assessoria, que o salário-educação aporta a estados e municípios R$ 14 bilhões por ano: “Além disso, há outros programas de apoio financeiro do governo federal, como o de transporte escolar, de merenda — que, com o programa Brasil Carinhoso, teve reajuste de 66% no valor repassado — e de dinheiro direto na escola (para se ter uma ideia, o orçamento do FNDE, de R$ 50 bilhões é todo voltado para a educação básica). Tudo isso contribui para o custeio dos alunos”.

Para especialistas, faltam diálogo entre poderes

“A obrigação da educação infantil é dos municípios, a União está até sendo boazinha de fazer a construção das escolas, mas a determinação legal é dos municípios, e só deles. Mas, como a obrigatoriedade de crianças de até 4 anos estarem na escola veio da noite para o dia, os municípios podem não estar financeiramente preparados, porque o difícil é ter o prédio, isso é caro. Se já tem, o que falta são recursos humanos. Está na lei, educação infantil é do município, e a lei é de 1996”, afirma Bertha do Valle, professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

“O que está faltando é o diálogo, é preciso que se planeje em conjunto. A União não se desincumbe de seu papel só estabelecendo diretrizes, mandando material didático, treinando professores e com merenda escolar. Não é esse apenas o papel da União, o mais importante é, juntos, planejarem o atendimento das crianças. O PNE (Plano Nacional de Educação) estabelece uma meta, mas o município tem condição de cumprir? Ninguém sabe”, disse Vital Didonet, especialista em Educação Infantil.

“Pela Constituição, somos todos responsáveis pela educação. A atribuição foi dada aos municípios, eles são os responsáveis, o que tem um lado positivo, um ente claramente responsável pelo fornecimento desse serviço, mas isso não isenta estados e União da responsabilidade de prestar assistência técnica e financeira. Tem que se pensar de forma mais integrada para conseguir firmar esse compromisso. Ele tem que ser prestado com qualidade”, ressalta Alejandra Velasco, gerente do Todos pela Educação.

Acesse o PDF: Impasse entre União e prefeituras atrasa creches e apenas 24% das crianças têm acesso às unidades (O Globo – 23/10/2013)   

 

 

 

 

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