(O Estado de S. Paulo) A interminável novela das creches, sempre às voltas com falta de vagas e promessas de aumento da rede só cumpridas pela metade, quando muito, poderá ser abreviada com a intervenção da Justiça.
Nos quatro primeiros meses deste ano, o número de decisões judiciais determinando à Prefeitura da capital paulista a matrícula de crianças em creches chegou a 7.408 – uma média de 62 por dia e um total equivalente ao de todo o ano passado.
Só para acolher essas crianças seriam necessárias 37 novas creches, que o governo municipal evidentemente não tem condições de colocar em funcionamento de imediato.
Para não ignorar a ordem da Justiça – o que nenhuma autoridade minimamente responsável pode fazer -, a Prefeitura decidiu colocar aquelas crianças nos primeiros lugares nas filas de espera das unidades a que se candidataram. A Prefeitura alega que não havia talvez outra coisa a fazer, tendo em vista que a falta de vagas torna materialmente impossível o cumprimento da determinação judicial.
Isso cria um outro e grave problema. Essas crianças estão na prática furando a fila, passando na frente de outras que também esperam vagas, talvez há mais tempo. E não se pode esquecer de que o seu número é considerável – somando as decisões judiciais deste e as do ano passado, ele chega perto de 14 mil.
Com isso, a fila de espera pode perder a credibilidade, como diz o secretário municipal de Educação, Cesar Callegari. O que é ruim, porque ela é a maneira mais correta de enfrentar o problema, uma garantia para os pais de que não haverá favorecimentos.
Se mesmo diante desses fatos a Defensoria Pública continua a pedir – ela vem atendendo uma média de 60 famílias por dia – e a Justiça a conceder o direito de as crianças serem matriculadas nas creches, isso só pode ser entendido como uma forma de forçar o poder público a resolver o problema o mais rapidamente possível. Segundo Luiz Rascovski, assessor da Defensoria Pública, “a gente só vê possibilidade de mudanças, se conseguir acordo do pelo juiz, com cronograma e força de executar e multar, em conjunto com outros órgãos do município”.
Essas condições são indispensáveis, porque só fixar meta de criar 150 mil vagas – 50 mil em 243 creches e o restante por meio de convênios com entidades especializadas e de unidades dentro de empresas -, como fez o atual governo municipal, não basta.
“Quando se chega ao detalhamento”, diz Rascovski, “vê-se que (a promessa) não vai sair do papel, pois há problemas no planejamento.” Lembra, por exemplo, que a Prefeitura não dispõe de pessoal suficiente para cuidar, com a rapidez necessária, da desapropriação dos imóveis nos quais serão erguidas as creches.
O longo histórico das promessas não cumpridas de aumento da rede de creches, feitas por governantes dos mais diferentes partidos, mostra que a Justiça e a Defensoria Pública, que a aciona, têm uma boa dose de razão na pressão – declarada ou não – que vêm fazendo sobre o poder público. O caso da capital paulista é um bom exemplo disso. Há muito tempo que o déficit de vagas em São Paulo oscila em torno de 100 mil, porque os pequenos avanços que a Prefeitura consegue são logo eliminados pela demanda que cresce mais depressa.
Outro exemplo é o do governo federal. A presidente Dilma Rousseff garantiu que construiria 6.427 creches em quatro anos. Ao fim de dois anos de mandato, havia entregue apenas 10. O governo culpa as prefeituras pelo atraso, porque elas demoram a apresentar os projetos necessários para receber financiamento. Agora, mesmo que corrija esse erro de avaliação sobre a capacidade das prefeituras, não vai passar nem perto de sua meta.
A pressão da Justiça e da Defensoria Pública é portanto bem-vinda. Sobretudo, porque esta última dá mostras de que sabe transigir quando é preciso. Ela promete interromper as ações judiciais, se um acordo com aquelas garantias for firmado com a Prefeitura.
Acesse em pdf: Pressão por mais creches, editorial O Estado de S. Paulo (O Estado de S. Paulo – 25/06/2013)