(O Globo) Especialista em trabalho e desigualdade de gênero, Hildete Pereira de Melo, economista da UFF, alerta: “a dupla jornada e a eterna culpa cristã” impedem que a mulher entre com mais força no mercado de trabalho brasileiro. “As mulheres não querem viajar. Executivo moderno não tem família. É deslocado para qualquer lugar. Por isso que cada vez que uma mulher é escolhida CEO (diretora executiva) de uma corporação estrangeira vira notícia de jornal.” E afirma que a mulher brasileira vai ter cada vez menos filhos, mesmo sem qualquer política de controle de natalidade: “Daqui a pouco vamos ter que pagar para ter criança, o Chile já paga.”
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Por que houve uma reação tão forte à regulamentação do trabalho das domésticas?
No caso da sociedade brasileira, a classe média é quem tem voz. Ela ficou muito ameaçada com o aumento do preço do serviço, que já vinha acontecendo com o desequilíbrio da oferta e demanda desde a década de 90. Este fato está intimamente ligado à entrada da mulher no mercado de trabalho, que foi um movimento extremamente forte, mas que está estacionado no mesmo patamar. Ninguém teve coragem de ser contra, mas foram apresentando argumentos sobre como seria difícil essa implementação. É uma relação vital, principalmente para as mulheres ocupadas com filhos pequenos.
Parou de crescer a entrada da mulher no mercado de trabalho?
Está num limite entre 41% e 42%. É um problema de conciliação da carreira com a maternidade. E não é diferente na Europa, mesmo com uma legislação diferenciada na França, na Inglaterra e na Alemanha. Chegaram a um impasse. É um teto de vidro. Discriminação salarial aparece mais para as mulheres que têm carreira. Na pobreza, o salário mínimo acaba igualando. Isso tem a ver com a sociabilidade que cerca ser mulher e o ser masculino. A sociabilidade pela maternidade é a marca. Está abalada, mas não foi destronada. Não conseguimos fugir. Para os homens é mais fácil. Adota o filho do outro e esquece o seu próprio filho. Ele chega a esquecer o aniversário do filho depois que se separa.
Como isso se dá no mercado de trabalho?
As mulheres não querem viajar. Executivo moderno não tem família. É deslocado para qualquer lugar. Quando uma mulher é escolhida CEO de uma corporação estrangeira sai matéria no jornal. Vamos torcer para Janet (Janet Yellen, vice-presidente Fed, banco central americano) ganhar do Summers (Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano) para substitituir Ben Bernanke (atual comandante do Fed). O Fed é o filé mignon do capitalismo mundial. É o sonho da Conceição (a economista Maria da Conceição Tavares) ser presidente do Banco Central, não a presidente do Brasil. Meu feeling diz que ela não ganha, mas, se ganhar, vamos tomar uma taça de vinho para comemorar.
As mulheres hoje têm menos filhos…
Pesquisa mostrou que 40% das mulheres com curso superior não tinham filhos. E isso sem qualquer política de controle de natalidade. A taxa de fecundidade só faz cair. A educação é maior estímulo para espaçar ou evitar filhos. Daqui a pouco, vamos pagar para ter criança. O Chile já paga. Estamos próximos de essa solução começar a ser pensada. Isso já é feito na Europa. Em 1967, quando fui estudar na França com 25 anos e com um filho, recebia meio salário mínimo (para ajudar nos custos com o filho).
Vai melhorar a divisão do trabalho em casa com a empregada doméstica mais cara e mais rara?
É a minha esperança, o fim da divisão sexual do trabalho, que não exista mais trabalho de mulher. O trabalho da mulher é ficar grávida e parir. E nem amamentar precisa, está aí a Nestlé. E com o DNA, paternidade não é mais um ato de fé. A regulamentação do trabalho das domésticas, além da justiça social, mostra como o trabalho da mulher é desvalorizado. Mas é muito difícil. Não basta criar lei, é preciso forçar dentro de casa os homens a trabalhar. Afinal, ele é o beneficiário dessa organização da sociedade. Dorme-se com o inimigo. Sair desse dilema não é simples. A mulher é submetida por amor.
Como se pode reduzir essa carga de trabalho sobre as mulheres?
A grande mudança é ter creche e escola funcionando em tempo integral. Já diminuiu a crença de que pôr a criança na creche muito cedo é abandono, a criança vai ficar mais doente. A psicologia reabilitou as creches, mostrando que melhoram o desenvolvimento cognitivo das crianças. Mas há uma culpa muito grande da mulher. É uma relação de amor, não precisa se encher dessa culpa cristã.
Acesse o PDF: ‘Dupla jornada e culpa cristã impedem o avanço das mulheres no trabalho’, afirma Hildete Pereira de Melo (O Globo, 25/08/2013)