(Valor Econômico) Depois de admitir que um filho pode requerer indenização por abandono afetivo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o prazo para prescrição desse direito começa a correr com o alcance da maioridade – hoje aos 18 anos -, e não com o reconhecimento da paternidade. Os ministros da 4ª Turma analisaram o caso de um homem que ajuizou a ação aos 51 anos, mesmo sabendo desde a infância que o réu era seu pai.
Os ministros aplicaram ao caso o prazo geral do antigo Código Civil, de 20 anos, por ter o autor completado a maioridade – antes aos 21 anos – sob a vigência da norma, e consideraram o direito prescrito. Ele ingressou com o pedido apenas em outubro de 2008. Um ano antes, moveu uma ação de investigação de paternidade, após realização do exame de código genético (DNA).
Na ação, o autor afirma que sempre buscou o afeto e o reconhecimento de seu genitor, “que se trata de um pai que, covardemente, durante todos esses anos, negligenciou a educação, profissionalização e desenvolvimento pessoal, emocional, social e cultural de seu filho”. Durante um período, segundo o autor, houve convívio entre eles. Porém, “sofreu desprezo, discriminação e humilhações, causando-lhe prejuízo à formação de sua personalidade”.
Por sua vez, o pai, um empresário do Rio de Janeiro, alega que o filho não prova no processo que foi humilhado e que “jamais buscou os benefícios afetivos advindos de sua paternidade reconhecida, pretendendo fazer de sua ascendência fonte de enriquecimento, tentando, por diversos meios e modos, alcançar herança a que somente terá direito após seu falecimento”.
Em primeira instância, foi rejeitada a arguição de prescrição apresentada pelo pai. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), porém, acatou o pedido, mantido pelo STJ. O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que “o prazo prescricional começou a fluir em 1978, ano em que o autor atingiu a maioridade e cessou os deveres inerentes ao pátrio poder”. Para o ministro, apesar de a ação de investigação de paternidade ser imprescritível, não traz para o autor “nenhum direito novo.”
O filho vai recorrer da decisão, segundo a advogada que o representa, Elenice Calvão de Almeida. Irá manter a argumentação de que a paternidade só foi reconhecida em 2007, quando o autor tinha 50 anos, e, portanto, o prazo só deveria começar a correr a partir daquele ano. “Antes, ele não era filho”, diz a advogada.
Para o advogado que defende o pai, Alexandre Brandão Gomes, do Gomes & Gomes Advogados Associados, a decisão do STJ está correta. “Já prescreveu há muito tempo. Ele terá direito à herança do pai, mas está querendo, da noite para o dia, virar milionário sem nenhum esforço”, afirma o advogado, acrescentando que o autor pede no processo uma indenização por danos morais no valor de R$ 12 milhões. “Não se pode quantificar o amor.”
O advogado Carlos Augusto de Assis, do escritório Advocacia Masato Ninomiya, também endossa o entendimento do STJ. “Não se pode contar desde o reconhecimento da paternidade. O reconhecimento não modifica situação jurídica. Simplesmente declara que já era pai”, diz o advogado, acrescentando que, a partir do novo Código Civil, o prazo para pedidos de reparação civil passou a ser de três anos. “Ademais, a pessoa sabia desde sempre quem era seu pai e, assim, poderia ter proposto a ação de indenização antes.”
O STJ reconheceu o direito à indenização por abandono afetivo neste ano. A 3ª Turma manteve a condenação de um empresário pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Casada e com filhos, a autora obteve o direito a R$ 200 mil de danos morais. “Não se pode negar que tenha havido sofrimento, mágoa e tristeza, e que esses sentimentos ainda persistam, por ser considerada filha de segunda classe”, justificou em seu voto a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso.
A ministra considerou a negligência do pai um “ilícito civil”, diferentemente do entendimento adotado no julgamento do primeiro caso que chegou ao STJ, em 2005. Naquela ocasião, o ministro Fernando Gonçalves, relator de um ação analisada pela 4ª Turma, julgou que “a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor”. Para ele, “é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro”. E questionou: “O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento?”
Acesse o pdf: STJ analisa prazo para danos morais por abandono afetivo (O Estado de S. Paulo – 25/09/2012)