(O Globo) Na mesma semana em que o Senado da Colômbia discutia um projeto de lei que reconheceria o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ativistas de direitos humanos já pensavam no próximo passo jurídico a tomar diante de uma derrota iminente. A previsão se cumpriu na última quarta-feira: depois de dois adiamentos e muitos protestos, a iniciativa foi vetada no Congresso por 51 votos a 17, contrastando com a onda favorável ao tema em outros países. A Colômbia reflete um caso particular: além da resistência da Igreja Católica e dos setores conservadores, o projeto se deparou com o silêncio do governo, que não se manifestou sobre o tema, nem comprou a briga com a oposição. O empenho governista fez toda a diferença para o avanço dessa legislação este mês no Uruguai e na França. Mas o fracasso não se atém ao âmbito político: para analistas, ele reflete uma sociedade também dividida.
Desde 2007, a Colômbia reconhece um tipo de união civil que garante aos casais do mesmo sexo alguns direitos civis e patrimoniais, mas sem o conceito de casamento, nem o direito à adoção de crianças. Nos últimos 13 anos, sete projetos que ampliariam as garantias aos homossexuais foram barrados na Justiça. Esta semana, pela primeira vez se votou um projeto que alteraria a definição de casamento, na Constituição, de união entre homem e mulher para união entre duas pessoas, sem distinção de sexo. Na ocasião, uma pesquisa realizada pelo jornal colombiano “El Espectador” apontava que 45% dos colombianos seriam contrários à aprovação do casamento homossexual.
– A influência do conservadorismo da Igreja nos costumes sociais e nos assuntos de Estado ainda é muito forte. Parte da sociedade não se mostra preparada para apoiar um projeto desse tipo, apesar de que já há muitos modelos familiares que fogem do tradicional homem-mulher. E as elites políticas tampouco têm acompanhado essas mudanças — explicou ao GLOBO Fabián Sanabria, diretor do Instituto de Antropologia e História da Colômbia.
Argentina, Uruguai e a Cidade do México enfrentaram debates parecidos antes de legalizar o casamento homossexual. O descompasso entre o avanço das leis e a aceitação da sociedade provocou discussões fervorosas de ambos os lados. No caso da Colômbia, a divisão começa na própria classe política. Na votação, o senador Roberto Gerlein, da bancada conservadora, reconheceu que o Estado é laico, mas afirmou que “a população representada por ele não é” e, por isso, não votaria a favor de um tipo de união “contrário a seus princípios”.
Suposta prioridade a negociação com as Farc
Do outro lado, os defensores do projeto de lei acusam o governo de não fomentar o debate.
– O governo ficou dentro do armário. (O presidente Juan Manuel) Santos quer ficar bem com todos. Como é um tema que divide a sociedade, não quis polêmicas, mesmo dominando a coalizão no Congresso – disse ao GLOBO a vereadora de Bogotá Angélica Lozano, do movimento Progressistas.
O projeto foi apresentado em 2011 pelo senador Armando Benedetti, do Partido Social de União Nacional. Para ele, o desfecho já era esperado:
– O Congresso continua sendo cavernícola. Insiste nos argumentos de sempre, na lei de Deus, e onde fica a defesa dos direitos das minorias?
Para o senador, o governo não teria apoiado o projeto, também, para não prejudicar as negociações de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), retomadas esta semana.
– A Igreja está muito envolvida nas negociações. Para o governo não conviria desagradar-lhe – diz.
Os ativistas vão recorrer à Corte Constitucional.
Acesse em pdf: Silêncio do governo colombiano prejudicou lei de casamento gay (O Globo – 27/04/2013)