(Folha de S.Paulo) “Lutamos por décadas como mulheres jornalistas para conseguir que nossos editores nos tratassem como iguais. Não entendo como uma organização dedicada à liberdade de imprensa pode recomendar uma discriminação como essa”, protestou Lindsey Hilsum, editora internacional do Canal 4 britânico diante do comunicado divulgado pela seção francesa da ONG Repórteres sem Fronteiras pedindo aos veículos de comunicação que parassem de enviar jornalistas mulheres para cobrir os protestos no Egito. A orientação resultou das violências sexuais sofridas por duas jornalistas no Cairo: a primeira há alguns meses na praça Tahrir e a outra, a jornalista egípcia Mona Eltahawy, durante esta semana em mãos das forças de segurança do governo. Leia a seguir trechos do artigo intitulado “A praça é do povo. E das mulheres”, do jornalista Clovis Rossi:
“Acosso sexual ou ataque é inegavelmente um problema, absolutamente horrível, mas isso não significa que as mulheres devam ser intimidadas a não fazer reportagens em situações difíceis. Jornalistas homens tem sido atacados e mortos nas revoltas [árabes] deste ano, mas não ouvimos apelos para que eles deixem os locais onde trabalham.” Bingo, Lindsey. O problema no Egito e nos países árabes em revolta é exatamente o inverso de “o lugar da mulher é em casa”, implícito no apelo da RSF-França, depois retirado de sua página na internet.”
“Se prevalecer a ideia de que a mulher é um bibelô a ser preservado, prevalecerá também a interpretação mais obscurantista do Islã, segundo a qual a mulher é propriedade do homem, e não ator com vontade própria.
Essa desgraçada cultura impregna ainda o mundo todo, a ponto de exigir um Dia Internacional contra a Violência de Gênero, transcorrido justamente na sexta-feira da nota da RSF-França.”
“No mundo árabe, essa (in)cultura é mais forte, exatamente pelo ranço da interpretação radical do Corão. O “Guardian” ouviu Rebecca Chiao, que dirige no Egito uma entidade que mapeia a violência contra as mulheres. Rebecca contou que pesquisa de 2008 mostrou que 83% das mulheres consultadas relataram acosso sexual, três quartos delas usando o véu islâmico. E 98% das estrangeiras disseram ter sido intimidadas ou bolinadas.
O problema, portanto, está longe de ser enviar ou não mulheres jornalistas à praça Tahrir. Está em conseguir uma transição para democracias, nas quais partidos islâmicos serão inexoravelmente relevantes, de tal forma que as mulheres possam ir a toda parte, aos palácios de governo inclusive, sem medo e sem discriminação. Só assim as revoluções triunfarão de verdade.”
Acesse na íntegra: A praça é do povo. E das mulheres, por Clovis Rossi (Folha de S.Paulo – 27/11/2011)
Leia também: Candidata à Presidência diz ter sofrido assédio sexual (Folha de S.Paulo – 28/11/2011)