(Opera Mundi) Como reação às demonstrações de racismo contra a ministra da Justiça, Christiane Taubira, o Partido Socialista e a UNSP (União Nacional dos Sem Papel) realizaram manifestações em Paris nesta quarta-feira (27/11). Os dois eventos, no entanto, apresentaram pautas divergentes, pois a organização dos imigrantes sem documentos criticou a maneira como o partido de François Hollande tem lidado com as ofensas aos negros na França.
“É inútil o partido do presidente da República ter um discurso contra o racismo, se o Estado francês não tem políticas” contra esse tipo de preconceito, explicou a socióloga francesa Marguerite Rollinde, que apoia o movimento dos imigrantes.
A ideia dos membros da UNSP era protestar em frente à sede do Partido Socialista, o que não foi permitido pela polícia. Por esse motivo, os manifestantes ficaram nas imediações do centro socialista desde as 18h.
Já o ato do partido governista, intitulado “Defender a República contra os extremismos”, começou às 20h30, num espaço fechado, com cerca de 1500 pessoas. Entre elas estavam a própria ministra Taubira, o ministro do Interior, Manuel Valls, e o primeiro secretario do partido, Harlem Désir.
Racismo em alta
Uma sondagem recente feita pelo Instituto de Mercado e Opinião BVA revela que 57% dos franceses acreditam que, nos últimos dez anos, o racismo aumentou no país. O Partido Socialista e a UNSP, mesmo cultivando distantes opiniões sobre o racismo, concordam com este índice e, para os dois grupos, as razões que justificam tal crescimento têm a ver com a banalização pela qual o racismo vem passando.
“Na França, perdeu-se a vergonha de ser racista”, declarou Faouzi Dhaouadi, tunisiano que integra a UNSP. Ideia semelhante foi expressa por Camel Bouchoucha, membro do PS que acredita “que recentemente passou a haver uma falta de pudor com gestos racistas na sociedade francesa, de modo que há uma naturalização, e as pessoas não se constrangem em serem racistas”.
O evento do Partido Socialista durou quase quatro horas e as falas giraram principalmente em torno da defesa dos valores da República, da necessidade de cultivar um tipo de escola que ensine a viver junto e reforce os legados de igualdade, fraternidade e solidariedade, deixados pela Revolução Francesa.
“Apesar de todas as nossas diferenças, nós precisamos aprender a seguir juntos”, sentenciou Taubira, que afirmou que “quando o racismo se revela, ele começa por vilipendiar as aparências, ele se inicia pelas diferenças que o racista vê e termina naquelas que ele imagina”.
O caso Taubira
O célebre poema intitulado “No caminho com Maiakóvski”, cujos versos revelam uma crescente relação de descuido com o outro, serve para traduzir o que a ministra Christiane Taubira vem vivendo desde o dia 17 de outubro, quando Anne-Sphie Leclère, candidata às eleições no município de Ardennes pelo partido Frente Nacional, a comparou com um macaco no programa de televisão “Envoyé Spécial”.
Leclère, indagada sobre as fotomontagens que havia publicado em seu perfil no Facebook, com macacos ao lado de Taubira, respondeu: “preferia vê-la em cima de uns galhos de uma árvore do que no governo” e prosseguiu dizendo que a ministra “é uma selvagem e tem um sorriso diabólico”. A reação do Frente Nacional diante das manifestações da candidata foi a publicação, no dia seguinte, de um comunicado anunciando a suspensão de Leclère, uma vez que seus pronunciamentos estavam em desacordo com a linha política adotada pelo partido.
Nove dias depois, Taubira foi novamente alvo de ofensas, desta vez por parte de adolescentes. Por ter contribuído de modo ativo para a lei que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a ministra, em atividade no município de Angers, no dia 25 de outubro, foi insultada pelos integrantes do movimento “Manif pour Tous” (Manifestação para Todos). Adeptos da ideia de que o casamento deve seguir restrito aos heterossexuais, com bananas nas mãos, eles gritavam: “para quem é a banana? É para a macaca!”.
Taubira é nascida na Guiana Francesa e é responsável por importantes passos jurídicos na França, pois além de ter comandado a mudança relativa ao casamento homossexual, empresta desde 2001 seu nome para a lei que reconhece a escravidão e o tráfico de negros, praticados a partir do século XIX, como crime contra a humanidade.
O mais recente insulto contra Taubira partiu da vereadora Claudine Declerck, do partido União por um Movimento Popular (UMP), que em seu perfil do Facebook, no último dia 15, lhe depreciou por meio da reprodução de um anúncio publicitário de mau gosto. A UMP rompeu a sua filiação com o partido, argumentando que suas manifestações evocavam o racismo, e este não faz parte da filosofia da agremiação.
Dois dias antes, o impresso semanal “Minute”, cujo conteúdo é francamente vinculado à extrema direita, trouxe na capa da sua edição a foto de Taubira com a seguinte legenda: “Maligna como um macaco, Taubira reencontra a banana”.
Antes disso, no último dia 6, a ministra já havia dito numa entrevista concedida ao jornal Libération que a coesão social da sociedade francesa, ante o crescente do racismo, está em risco e, em tom de crítica, desabafou: “O que mais me assusta é que não houve uma voz que se levantasse de forma alta e forte para alertar sobre o estado de deriva que se encontra atualmente a sociedade francesa”.
As represálias feitas aos autores dos insultos são, na ótica de Taubira, insuficientes para a gravidade a qual ela e toda a população negra estão submetidas. Ainda na entrevista ao Libération, ela afirmou: “O racismo não é uma opinião, é um crime (…). Mas a justiça não será suficiente para reparar as doenças profundas que estão minando nossa democracia. Milhões de pessoas são desafiadas quando eu sou chamada de ‘macaca’. Milhões de meninas sabem que poderão ser tratadas da mesma forma nos pátios das escolas durante os intervalos”.
Além das manifestações de ontem, outros atos têm defendido a ministra. Uma delas aconteceu no último dia 17, num cinema de Paris, onde escritores e intelectuais se reuniram para reagir aos insultos que lhe foram dirigidos. Outro gesto de apoio foi materializado através de uma petição com mais de 100 mil assinaturas, organizada pela prefeitura de Brétigny-sur-Orge, municipalidade vizinha à Paris. O documento foi entregue à ministra no último dia 15, e neste mesmo dia a Comissão dos Direitos Humanos da ONU condenou os atos racistas sofridos pela ministra.
Acesse o PDF: Paris tem dia de protestos contra racismo após insultos a ministra (Opera Mundi – 28/11/2013)