(O Globo) Na França, protestos contra o casamento homoafetivo acabaram em prisões. Ali também, na cidade de Cannes, o filme vencedor do prêmio Palma de Ouro foi o “La vie d’Adèle”, sobre um casal de lésbicas. No Brasil, inédita resolução do Conselho Nacional de Justiça determinou que os cartórios de todo o País registrem os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, as chamadas relações homoafetivas. O partido PSC ingressou com pedido para o reconhecimento da inconstitucionalidade da resolução nº 175/13 que tratou a questão. Em maio de 2012, o SupremoTribunal Federal já havia reconhecido a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Em que pese a existência da decisão do Supremo Tribunal Federal, muitos cartórios se negavam a celebrar o casamento, o que fazia com que os pretendentes tivessem que viajar de um Estado ao outro na busca deste direito.
O movimento pela legalização de casamentos homoafetivos não é novo. Na América Latina já legalizaram os casamentos homoafetivos Argentina, Uruguai e México (em dois estados). África do Sul, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Islândia, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Suécia, assim como seis estados dos EUA já aprovaram nos seus parlamentos o casamento homoafetivo. Portanto, podemos afirmar que a decisão do Conselho Nacional de Justiça brasileiro acompanha a tendência mundial, não apenas dos costumes, mas da evolução da jurisprudência e da legislação, em garantir os direitos fundamentais aos homens ou mulheres que desejam se casar e constituir família.
A Constituição diz que o casamento é aquele entre o homem e a mulher (artigo 226), mas em nenhum momento veda o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e mais do que isso, garante a igualdade entre todos os brasileiros, sendo vedada a discriminação (artigo 5º). A interpretação da lei não pode ser feita de forma literal, mas sim deve levar em conta todo o sistema jurídico, inclusive os tratados internacionais que foram ratificados pelo Brasil — e todos vedam a discriminação em razão do sexo.
O relacionamento homoafetivo existe e sempre existiu desde as primeiras civilizações, mas o direito nem sempre acompanha a realidade. O Estado brasileiro é laico, portanto não admite interferências religiosas na formulação de leis. A palavra casamento não pode ser monopólio dos casais heterossexuais, como pretendem algumas correntes religiosas. As verdadeiras democracias protegem toda a população, até os grupos mais vulneráveis, e minorias como homossexuais, indígenas, pessoas com necessidades especiais, idosos, pessoas de distintas origens e etnias.
Estamos caminhando para a modernidade e esta decisão deve ser celebrada pela sociedade brasileira. Há um largo caminho a ser percorrido. O próximo passo é a aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual pelo Congresso Nacional para dispor acerca da vedação à homofobia, a possibilidade de casais homossexuais adotarem crianças e adolescentes, dentre outros direitos que devem ser expressamente garantidos. Ainda subsistem a intolerância, o preconceito, a violência e a homofobia. Ultrapassados estes obstáculos, poderemos assumir a vanguarda do sistema internacional de direitos humanos.
Fabiana Dal’Mas Rocha Paes é promotora de Justiça no Estado de São Paulo e mestre em Direitos Humanos e Justiça Social pela Universidade de New South Wales.
Acesse em jpg: A liberdade homoafetiva, por Fabiana Dal’Mas Rocha Paes (O Globo- 30/05/2013)