(Folha de S.Paulo) País escandinavo serve de modelo para franceses, que discutem legislação para multar quem paga por serviço. Com 1.200 condenações entre 2008 e 2011, suecos querem prender cafetões e conter tráfico internacional de pessoas
A prostituição de rua em Estocolmo está confinada a um endereço: a Malmskillnads, rua próxima à estação central. É ali que 175 mulheres fazem discreto vaivém em busca de clientes.
A área contabilizava 650 profissionais do sexo em ação na década de 1990. A redução da oferta é creditada ao fato de a Suécia ser o primeiro país a criminalizar o ato de pagar por sexo, em 1999.
O modelo inspirou os franceses. Neste mês, a Assembleia Nacional da França aprovou lei que vai na mesma direção e impõe multas a quem pagar por sexo.
“A questão central é demanda. O cliente de prostituição alimenta o tráfico de pessoas”, diz a procuradora sueca Marie Thomsen, da força-tarefa de combate ao crime.
Mentalidade arraigada em todo o aparato montado para fazer valer a legislação pioneira e controversa. “Nós achamos a solução, que é acabar com a demanda”, repete Ewa Carlenfors, superintendente da polícia, que comanda 25 agentes da unidade antitráfico na capital.
As autoridades suecas fazem um balanço positivo do impacto de uma lei que resultou em 2.581 inquéritos e 1.200 condenações por compra de serviços sexuais entre 2008 e 2011.
No ano passado, cerca de 200 homens foram presos em flagrante com prostitutas. Enquanto elas são soltas, já que a atividade de vender sexo não é criminalizada no país, o cliente está em apuros. “Prostituição é uma violência contra a mulher, assim como estupro e maus tratos domésticos”, afirma a policial Mia Hektor, da unidade que monitora prostituição de rua e pela internet.
É com um sistema legal ágil (os processos duram de seis meses a um ano) e um forte aparato policial e de assistência social que o país escandinavo tenta dar um xeque-mate na prática da profissão mais antiga do mundo.
A pena prevista para o consumidor de sexo pago é de até um ano de prisão. Até hoje, nenhum foi condenado a pena máxima de detenção, punição dada a cafetões e traficantes (que podem pegar de dois a dez anos de cadeia).
“A lei não foi feita para mandar os clientes para a prisão, mas para pegar traficantes e cafetões. Transformamos a Suécia em um péssimo mercado para eles”, diz a superintende da polícia local.
Em geral, os homens presos em flagrante são soltos sob fiança logo após a confissão. E aí esperam receber em casa a convocação para se apresentar diante do juiz e ouvir a sentença.
No flagrante, todos são obrigados a ceder mostras de DNA e ficam fichados na polícia por cinco anos. Na corte, a pena varia de acordo com a renda do réu. A mais alta paga até hoje foi de € 7.000 (R$ 22.400).
NA INTERNET
O resultado é uma prática mais velada. “Enquanto a prostituição de rua diminuiu, aumentou a oferta de sexo na rede”, admite a procuradora. “A dificuldade é que os sites estão hospedados no exterior. Mas se os clientes podem achá-los, a polícia também.”
A lei da oferta e da procura age sobre o preço. “Um programa custa € 300 a hora”, relata a policial Mia. “Mas não vemos mulheres ficando ricas com prostituição. O dinheiro vai para organizações criminosas.”
“Não é ilegal, mas também não é uma profissão”, diz a procuradora sobre a atividade que, ao contrário, vem sendo reconhecida em outros países, como Holanda.
No Brasil, projeto do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ)propõe o reconhecimento de direitos trabalhistas e previdenciários para as trabalhadoras do sexo.
Estrangeiras recebem apoio legal e psicológico
A maioria das mulheres atraídas para se prostituir na Suécia vem de países bálticos e do Leste Europeu, especialmente Romênia, Lituânia, Estônia, Eslováquia e Polônia.
Tailandesas e nigerianas também começam a se destacar nas estatísticas.
“Agora, temos mais casos de romenas. Há alguns anos, o boom foi de lituanas”, relata Patrick Cederlöf, coordenador do plano nacional sueco de combate à prostituição e ao tráfico de pessoas.
Quando os policiais preparam uma grande ação para desmantelar uma rede de prostituição, o serviço social aciona abrigos públicos para as prostitutas, quase sempre imigrantes ilegais.
Aquelas que desejam voltar ao país de origem recebem ajuda do governo e de ONGs. “Nosso apoio começa com os documentos, pois muitas estão sem passaporte, confiscados pelos traficantes e cafetões”, diz Patrick.
O passo seguinte é encaminhá-las para uma ONG que promove a reintegração das mulheres. “Elas recebem US$ 3.000 para voltar para casa e recomeçar a vida.” Devidamente escoltada pela polícia até o destino final.
Implantado em 2010, o plano repatriou 16 prostitutas que se declararam vítimas de tráfico internacional para fins sexuais. Aquelas que decidem ficar na Suécia também podem recorrer a casas de apoio mantidas por entidades religiosas.
“Elas têm acompanhamento psicológico, pois precisam lidar com a vergonha”, diz Anna Sander, coordenadora da ONG Talita, que abriga prostitutas.
Ela cita o caso de uma nigeriana. “Ela fugiu da Espanha. Era forçada a se prostituir desde os 16 anos. Foi estuprada, ficou grávida e chegou a pedir asilo, sem sucesso.”
Centro dá assistência a homens que pagam por sexo
O assistente social Johan Christiansson, 42, ganha a vida tentando ajudar homens que cometeram um delito considerado grave na Suécia: foram flagrados oferecendo dinheiro a uma prostituta.
Coordenador de um centro em Estocolmo voltado aos “sex buyers” (compradores de sexo), ele é acionado de duas a três vezes por semana para acompanhar batidas policiais que resultam em flagrantes de prostituição.
O primeiro atendimento é no local da prisão: quartinhos de bordéis, lobby de hotéis e clubes. “Os homens querem desaparecer, estão envergonhados”, explica Johan.
Um em cada quatro homens presos com prostitutas aceita o apoio, segundo o coordenador do serviço.
Soltos após pagamento de fiança, a punição é também moral. “Eles precisam ter consciência de que contribuem para um tipo de escravidão moderna”, diz Johan.
O funcionário público acredita ter uma missão especial. “Pagar por sexo é um comportamento que se pode mudar. Se quiserem chamar de dependência, podem chamar, eu não.”
Os homens atendidos estão na faixa dos 35 a 50 anos, têm bons empregos, mulheres e filhos.
Os casos ganham destaque. Um de grande repercussão envolveu um funcionário graduado do serviço de prevenção à Aids sueco. Além de ser preso com uma prostituta, ele admitiu ter feito sexo sem preservativo. “Logo depois de ser preso, ele tentou se suicidar”, relata Johan.
Ele não tem medo de ser chamado de moralista. “Mesmo nos anos 1970, quando a Suécia era famosa pela liberdade sexual, a prostituição era algo não aceito.”
O apoio da opinião publica cresceu –era de 30% no momento da aprovação da lei e hoje chega a 70%. Enquanto isso, o número de suecos que pagam por sexo com prostitutas caiu de 13,6%, em 1996, para 7,9%, em 2008.
ELIANE TRINDADE
ENVIADA ESPECIAL A ESTOCOLMO, viajou a convite do governo sueco.
Acesse em pdf: Suécia inspira França contra a prostituição (Folha de S.Paulo – 30/12/2013)