(Agência Patrícia Galvão, 25/03/2014) Em diálogo inédito entre movimentos de mulheres e a Presidência da República, feministas destacam importância colocada pela presidenta a questões como autonomia feminina, mulheres na política e combate ao racismo e à violência
A reunião de organizações de mulheres com a presidenta da República Dilma Rousseff, ocorrida no último dia 21 de março no Palácio do Planalto, foi avaliada por todas as participantes ouvidas pela Agência Patrícia Galvão como o evento a ser incluído entre os marcos históricos do país. Desde a redemocratização do País, foi a primeira vez que a Presidência da República recebeu duas dezenas de instituições de defesa dos direitos de 51,1% da população brasileira. O encontro atendeu a uma antiga demanda do movimento feminista.
A audiência foi articulada pela ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), Eleonora Meniccuci de Oliveira. Foram debatidas questões consideradas fundamentais para as feministas presentes à audiência, como reforma política e participação nos espaços de poder e decisão, a importância da oferta de vagas em creches para assegurar o acesso feminino ao trabalho e a autonomia financeira, a urgência da regulamentação da PEC das domésticas, igualdade salarial para a realização das mesmas funções e enfrentamento ao racismo e à violência por razão de gênero.
Entrevistada pela Agência Patrícia Galvão durante a cerimônia de entrega do ônibus que atenderá as mulheres do município de São Paulo por meio do Programa ‘Mulher, Viver sem
Violência’, nesta segunda-feira (24), Eleonora Meniccuci relatou que a presidenta ficou “impressionada com a diversidade representada na reunião, com o diálogo aprofundado, com a força politica das mulhere e com a afirmacao de todas sobre a importância estratégica da Secretaria de Políticas para as Mulheres”.
A diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, que também participou da audiência, aponta entre as principais considerações da presidenta “a consciência de que carrega um compromisso muito grande pelo fato de ser a primeira presidenta do Brasil e que ter chegado à Presidência é efeito da luta dos movimentos de mulheres”.
Jacira relata ainda que a presidenta destacou que as mulheres no Brasil ainda têm “um imenso caminho para trilhar. O avanço é a garantia daquilo que se conquistou. Temos conquistas, mas tenho consciência de que faltam muitas coisas por fazer. As políticas sociais precisam avançar cada vez mais para garantir e ampliar a autonomia das mulheres.”
Autonomia financeira
Entre as conquistas femininas destacadas na reunião, a presidenta Dilma citou o resultado do Bolsa Família, que tem nas mulheres 93% dos responsáveis pelos cartões das 13,8 milhões de famílias beneficiárias. A verba repassada pelo programa vem assegurando a autonomia financeira a mulheres nas regiões mais pobres do país. O Bolsa Família atende hoje, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, mais de 50 milhões de pessoas, em um universo em que 73% são famílias negras (pretas ou pardas) e 68% dos lares são chefiados por mulheres.
Outra participante da reunião, Maria Betânia Ávila, pesquisadora da ONG SOS Corpo, destacou de sua fala perante a presidenta “a importância das creches para as crianças e para as mulheres trabalhadoras e a questão da seguridade social – que implica Previdência, Saúde e Assistência Social. As mulheres são hoje maioria no chamado trabalho informal, estando mais sujeitas à falta de cobertura social e previdenciária. Essa é uma questão absolutamente estratégica”.
Outros elementos destacados como fundamentais por Betânia foram a efetivação da legislação que garante cidadania integral às trabalhadoras domésticas e a necessidade de regulamentar a PEC para que seus efeitos passem a vigorar no cotidiano.
Mulheres na política
Representante da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Maria das Dores do Rosário Almeida, mais conhecida como Durica, afirma que “a presidenta deu respostas a tudo o que nós colocamos e às nossas reivindicações sobre os direitos sexuais e reprodutivos, o trabalho doméstico e a autonomia das mulheres. A presidenta se mostrou muito preocupada em particular com a questão das creches – ressaltando a importância de os movimentos de mulheres atuarem também junto às prefeituras para garantir que as verbas liberadas pela União sejam utilizadas integralmente. Ela também expressou a urgência da reforma política para mudar a realidade da participação das mulheres”.
Enfrentamento à violência
Também foi ressaltada durante a reunião a importância das Casas da Mulher Brasileira, que estão sendo licitadas para construção em 26 Estados do país com a perspectiva de transformar a atenção às mulheres que sofrem agressões, assegurando atendimento jurídico e psicossocial integrados.
Na Casa da Mulher Brasileira as vítimas terão acesso a todos os serviços da rede de enfrentamento à violência no mesmo espaço e também a oportunidade de realizar cursos de formação. O governo federal, por meio da SPM-PR, está investindo R$ 305 milhões na construção das estruturas. “É a possibilidade de tratar as mulheres não só como vítimas, mas como sujeitos que precisam e querem reconstruir suas histórias. A Casa, como ponto de radiação de políticas públicas voltadas à garantia da autonomia feminina e integração da rede de assistência e acesso à Justiça, elimina a peregrinação que as agredidas têm que realizar para denunciar o agressor, receber atendimento em saúde e encaminhar os trâmites do processo judicial”, destaca Jacira Melo.
“É um avanço na concepção de acolhimento e prevenção, em uma perspectiva de superação, para que essas mulheres reestruturem suas vidas longe da violência”, diz Betânia.
Enfrentamento ao racismo
Rosa de Lourdes Azevedo dos Santos, coordenadora-geral do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), destaca que “a presidenta estava muito receptiva e antecipou questões, como por exemplo as medidas de combate ao racismo, que estão sendo encaminhadas por conta da Copa do Mundo”.
Na reunião, Dilma Rousseff informou que será realizada uma campanha contra o racismo durante o Mundial de Futebol que acontece em junho e apontou a necessidade de a SPM-PR desenvolver também campanhas de denúncia de crimes raciais contra mulheres.
Durica Almeida destacou que, apesar de ser fundamental, uma campanha só no momento da Copa não contempla os movimentos contra o racismo e por igualdade racial no Brasil.
Especificamente em relação às demandas das mulheres negras, Durica ressalta que “queremos uma política efetiva dentro dos ministérios e em toda a esfera pública, assim como na esfera privada, para avançar nas políticas públicas para as mulheres levando em conta as desigualdades entre as mulheres. Só assim é possível debater a situação da mulher negra e enfrentar o racismo institucional, pauta que não foi ainda abraçada de forma mais efetiva pelos movimentos de mulheres. Por isso, ver a presidenta falando da situação das mulheres negras nos fez compreender que ela quer que a realidade mude e que se tenha um olhar diferenciado na SPM para a mulher negra”.