Mulheres e negros são os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas

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Foto: Mídia Ninja

30 de outubro, 2025 O Globo Por Carin Petti

Brasil vai levar à COP30 carta com desafios e soluções de comunidades

A casa construída para a chegada do novo bebê ainda cheirava a tinta de tão nova quando as paredes começaram a tremer naquele temporal de domingo de Carnaval em Juquehy, em São Sebastião (SP). Em menos de quinze minutos, Verônica Souza conseguiu acordar o marido, que não queria sair da cama, e ir embora de lá com três filhos e sete parentes.

—Saímos para a rua com a água no umbigo — conta.

Nunca mais voltaram. Junto com a família dela, mais de 700 pessoas perderam a casa e 64 morreram na maior tragédia climática registrada no estado de São Paulo.

No começo, ela viveu de favor — primeiro numa garagem emprestada, depois dividindo moradia com outros desabrigados. Mais tarde, mudou-se para um dos apartamentos construídos pelo governo estadual para as vítimas da enchente, em outra praia, a de Maresias. Vive agora sem o marido, de quem se separou, e sem a família por perto. Conseguir emprego no novo endereço é mais difícil, conta ela, que vive de faxinas. Trabalhar mais longe também não dá, pois agora não pode contar com a mãe por perto para ajudar a cuidar das crianças.

— Aqui, sou eu e Deus — diz.

Se em São Sebastião nunca havia chovido tanto, a mais de 2 mil quilômetros dali, no Parque do Xingu, o problema é o oposto: a estiagem.

— Antigamente, a cigarra cantava e a chuva vinha. Hoje muitas vezes a cigarra canta e não chove — conta Ayakanukala Waija, da aldeia Topepeweke, no município de Paranatinga, em Mato Grosso.

Por ali, o calor e a seca têm reduzido a disponibilidade de alimentos tradicionais, como peixe, mandioca e pequi. Na aldeia de Ayakanukala, a saída foi mudar a época do plantio da roça para garantir comida de boa qualidade durante os períodos cada vez mais longos de seca.

— Mas tem lugar por aqui que a terra é fraca e não dá para fazer isso — diz.

Por isso, segundo ele, muitos indígenas do parque têm recorrido a alimentos industrializados, como molhos prontos, macarrão e bolachas.

— Isso aumentou os casos de pressão alta entre os mais velhos — relata.

Tanto ele como Verônica integram grupos especialmente atingidos pelo aquecimento global.

— Mulheres, povos indígenas, pessoas negras, comunidades periféricas e pequenos agricultores são os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas — diz Caroline Rocha, do instituto Laclima. — A crise climática agrava crises sociais já existentes justamente porque tende a atingir aqueles com menos recursos e acesso a políticas de adaptação.

Moradores de quilombos

No caso das mulheres, a sobrecarga do trabalho doméstico é outra dificuldade. Segundo dados do IBGE, elas dedicam, em média, 21,3 horas semanais a tarefas domésticas e cuidados com pessoas — quase dez horas a mais do que os homens. Foi o caso de Verônica, que perdeu dias de trabalho para passar 14 dias no hospital depois que, após a enchente, a filha de quatro meses foi internada com pneumonia.

— Fica nas mãos das mulheres encontrar as soluções, salvar vidas, providenciar as condições mínimas para a subsistência e a sobrevivência do grupo — diz a diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck.

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