Mulheres na América Latina e Caribe, por Elizabeth Villagomez

21 de maio, 2015

(Valor Econômico, 21/5/2015) Há quase 20 anos, o mundo se reuniu em Pequim na 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher. Lá, 189 governos adotaram uma inovadora rota para a igualdade de gênero: a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim. Cerca de 17 mil representantes de governos e 30 mil ativistas imaginaram um mundo em que as mulheres e as meninas tivessem os mesmos direitos, liberdades e oportunidades em qualquer aspecto da vida.

Apesar de todos os progressos realizados nas últimas duas décadas, nenhum país pode pretender ter alcançado a igualdade entre homens e mulheres, especialmente em termos de empoderamento econômico das mulheres, um dos pilares para a prevenção da violência e o desenvolvimento da liderança. Na América Latina e Caribe, ainda há muito a ser feito. Nos últimos 20 anos, a taxa média de participação das mulheres na força de trabalho cresceu apenas 11%, segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) ­ em 2012 mal ultrapassou 50%, em média. As mulheres representam apenas 49% do total de empregados da força de trabalho de forma desproporcional e 51% de todos os desocupados, entre desempregados e à procura de emprego.

A maioria dessas mulheres que trabalham (54%) o fazem no setor informal da economia e, nos setores informais, em ocupações menos rentáveis. A diferença salarial entre homens e mulheres na América Latina atinge 17%: independentemente do nível de educação, idade ou tipo de emprego, as mulheres ganham menos que os homens por trabalho de igual valor. Além disso, sete em cada dez mulheres trabalham no setor de serviços ou em comércio, com menor produtividade, salários e níveis de proteção social. O impacto sobre as finanças públicas sobre essas lacunas é óbvio.

Além disso, alguns governos da região estão utilizando ou pretendem utilizar o imposto de renda como um instrumento para reduzir a informalidade. No entanto, a ausência de uma análise rigorosa sobre como reduzir a informalidade entre as mulheres pode acabar custando vários milhões aos cofres públicos.

O setor do trabalho doméstico remunerado é a ocupação mais importante para as mulheres na América Latina a partir de um ponto de vista numérico: 14, entre 100 mulheres que trabalham, estão neste setor. Apesar de avanços na proteção dessas trabalhadoras, ainda há resistência de muitos países para ratificar a Convenção 189, da Organização Internacional do Trabalho, que protege os direitos delas e as tornam contribuintes para sistemas de seguridade social. O trabalho delas é de vital importância frente à ausência de serviços públicos de qualidade para o cuidado de dependentes, entre eles crianças e pessoas idosas.

De acordo com a Cepal, uma em cada três mulheres na América Latina e Caribe não possui renda própria em comparação com 11,7% dos homens. Isso tem consequências em todo o ciclo de vida das mulheres e tem um impacto negativo sobre o custo social. Se, de um lado, elas não contribuem para os sistemas de seguridade social ou deixam de fazê­lo em algum momento devido a suas responsabilidades familiares, por outro, a tendência de aumento de domicílios com mulheres chefes de família junto com o envelhecimento de nossas sociedades apontam claramente que tanto as políticas fiscais como sociais devem se complementar e adaptar a essas novas realidades, reconhecendo o trabalho de reprodução social não remunerado feito, na sua maioria, pelas mulheres. Até o momento, somente alguns países estão aproveitando a expansão de pisos de proteção social na América Latina e Caribe.

Na nossa região, as mulheres trabalham de 14 a 30 horas semanais a mais do que os homens, se levarmos em conta o trabalho não remunerado, ou seja, os cuidados com a família.

Estima­se que 90% de toda a atenção doméstica não remunerada é assegurada pelas mulheres, representando entre 30% a 50% do PIB, de acordo com diferentes estudos realizados em todo o mundo pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Quaisquer alterações orçamentáriais ou fiscais que afetam o uso do tempo nas famílias têm impacto direto sobre a decisão das famílias e, particularmente, sobre as mulheres.

Além disso, como concluiu o relatório da relatora especial sobre a pobreza extrema e os direitos humanos, os Estados não podem ignorar a desigualdade nas responsabilidades de cuidados desiguais, pois isso limita diretamente o gozo igual dos direitos humanos por mulheres e influencia a sua pobreza. Esse relatório convida os Estados a facilitar, financiar, apoiar e regular esse tipo de trabalho para evitar a violação de suas obrigações em matéria de direitos humanos.

As políticas fiscais também podem e devem se orientar pela redução das desigualdades entre homens e mulheres. Como instrumento fundamental na redistribuição de renda, a Plataforma de Ação de Pequim envia um sinal claro para a cidadania sobre as responsabilidades do Estado com garantia de igualdade de oportunidades para todos e todas. Impulsionar as políticas fiscais que compreendam desde incentivos ajustados às realidades das mulheres para sair da informalidade a incentivos para as empresas introduzirem a corresponsabilidade no cuidado de pessoas dependentes ou contratar mulheres em setores e ocupações não tradicionais, assim como uma arrecadação mais justa, sem dúvida contribuirá para que os Estados cumpram com os compromisos assumidos há 20 anos.

Elizabeth Villagomez é assessora regional para o Empoderamento Econômico na ONU Mulheres América Latina e Caribe.

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