Mulheres, Tráfico e Indulto, por Juliana de Oliveira Carlos

29 de fevereiro, 2016

(Folha de S. Paulo, 29/02/2016) A Constituição Brasileira garantiu ao executor da política criminal e penitenciária um recurso para conceder liberdade a determinadas categorias de presos ou presas. Trata-se do indulto, instrumento histórico de política criminal que pode ser concedido àqueles ou àquelas que se encaixem nos critérios definidos pelo Presidente ou Presidenta da República. Indultos são concedidos todos os anos, sempre libertando número modesto de pessoas – em geral, aquelas que já tenham cumprido parte significativa de sua pena.

Esse instrumento, porém, praticamente não tem beneficiado as mulheres encarceradas em nosso país. No Brasil, o número de mulheres presas aumentou 567% de 2000 a 2014. Entre as 37.380[1]mulheres presas hoje, 60% respondem por tráfico de drogas – e é aí que está grande parte do problema. A interpretação que hoje prevalece é a de que a lei não permite a concessão de indulto a pessoas condenadas por tráfico de drogas. Essa interpretação jurídica parte da premissa de que o tráfico é crime de extrema gravidade e que, portanto, pessoas condenadas por esse delito não fariam jus a benefícios para redução da pena. De acordo com essa interpretação o indulto excluiria, já de saída, a maior parte das presas do Brasil.

Mas quem são as mulheres presas por tráfico de drogas no Brasil? Pesquisas tem demonstrado que aqui, como em regra nos demais países latino-americanos, elas são mulheres jovens, de baixa escolaridade, em sua maioria com filhos e flagradas com pequenas quantidades de drogas. No mundo todo se tem discutido como a repressão às drogas tem atingido as mulheres de maneira desproporcional. Recente publicação do Washington Office for Latin America (WOLA) destacou o vertiginoso crescimento do encarceramento de mulheres por drogas (em geral, em incidentes com pequenas quantidades) e o enorme custo humano causado por essas prisões[2].

É por isso que o Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas está liderando uma campanha para que a Presidenta da República conceda indulto às mulheres presas por tráfico de drogas em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. O pedido, que já conta com o apoio de mais de 200 entidades, não busca o impossível. Trata-se, antes, de apelo para que o Brasil adeque um instrumento nacional de política criminal a fim de que ele seja efetivo à realidade nacional. Tal adequação significaria o reconhecimento de que as especificidades de gênero precisam ser levadas em conta ao discutirmos à realidade prisional, sobretudo no que se refere ao crime de tráfico de drogas.

Países como Costa Rica e Equador já vêm utilizando mecanismos alternativos para lidar com as mulheres envolvidas no tráfico de drogas. Em lei de 2013, a Costa Rica incluiu o critério de gênero para análise da proporcionalidade das penas e de atenuantes, passando a aplicar redutores de penas para mulheres, em função da extrema pobreza, chefia de lar, responsabilidade sobre crianças, adolescentes, idosos ou pessoas com deficiência – uma iniciativa reconhecida pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) como boa prática a ser implementada por outros países. O Equador adotou, em 2008, indulto para pessoas presas por transporte de drogas que já tivessem cumprido pelo menos 10% de sua sentença. Mil e quinhentas pessoas foram contempladas, e a grande maioria não voltou a cometer crimes.

Está mais do que na hora de abrirmos os olhos para a realidade das mulheres que vem pagando o alto preço da repressão às drogas no Brasil e discutirmos a adequação (e aplicação) do indulto para essas mulheres. É preciso encarar a realidade de frente: estamos diante de um enorme contingente de mulheres presas por crimes de baixíssima gravidade, cumprindo pena em condições desumanas. Isso tem causado um custo social (e financeiro) absolutamente desproporcional à toda a sociedade. Persistir no entendimento de que essas mulheres são narcotraficantes perigosas que não devem fazer jus ao indulto significa negar uma realidade empírica para justificar a manutenção de milhares de prisões injustas, inúteis e contraproducentes.

É por isso que pedimos à Presidenta Dilma Rousseff, que no próximo Dia Internacional das Mulheres, não feche os olhos para as mulheres encarceradas do Brasil e conceda o indulto inclusive àquelas condenadas por tráfico de drogas.

Juliana Carlos é socióloga, mestre em sociologia (USP) e em Direitos Humanos e Métodos de Pesquisa (Essex – Inglaterra). Recentemente publicou pesquisa sobre o impacto da política de drogas sobre encarceramento no estado de São Paulo (disponível em http://goo.gl/3lSzS5

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[1] Esse número corresponde ao ano de 2014 e é a informação mais atualizada disponibilizada pelo Ministério da Justiça. Para mais informações veja o relatório do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) sobre as mulheres presas: http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf

[2] Veja o relatório completo em http://www.wola.org/publications/women_drug_policies_and_incarceration

Acesse o PDF: Mulheres, Tráfico e Indulto, por Juliana de Oliveira Carlos (Folha de S. Paulo, 29/02/2016)

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