O futuro ministro da Saúde disse não acreditar na efetividade de campanhas de prevenção contra o HIV

25 de novembro, 2018

“O pessoal vive na vida mundana e depois vem querer cobrar do poder público um tratamento que é caro”, disse ao programa CQC, em 2010.

(O Sul, 25/11/2018 – acesse no site de origem)

Ortopedista de formação, o futuro ministro da Saúde, o deputado federal Luiz Henrique Mandetta, disse que tem ressalvas quanto à condução que o Brasil faz de ações contra o HIV. As ideias provocaram reações em especialistas em saúde pública e organizações ligadas ao combate à Aids no País.

O futuro ministro afirmou não acreditar na efetividade das campanhas de prevenção e educação continuada em escolas ou unidades básicas de saúde. Na opinião de ativistas e infectologistas, as posições do novo ministro podem antecipar uma guinada conservadora no programa de HIV e Aids do ministério e prejudicar o alcance de campanhas de prevenção.

Para o futuro ministro, conversas sobre sexualidade, como aquelas envolvendo métodos de proteção contra doenças sexualmente transmissíveis, devem ser abordadas pelas famílias, e não pelo governo. “Sexualidade é uma questão para tratar dentro de casa”, afirmou ao jornal O Globo, ao ser perguntado sobre campanhas de prevenção em escolas e unidades de saúde.

“Há pessoas que não querem usar preservativo. Mudar esse comportamento exige diálogo entre gerações, dentro das famílias”, disse Mandetta.

O combate à Aids será um dos principais desafios que o novo governo enfrentará no campo da saúde. Números recentes do Brasil mostram que, contrariando a tendência mundial de queda, cresceram os casos de HIV no país, sobretudo em meio a jovens entre 20 e 24 anos e homens que fazem sexo com homens. Na avaliação de Mandetta, trata-se de uma espécie de efeito colateral das políticas adotadas no Brasil para enfrentar a epidemia:

“O país começou a trabalhar muito a questão do medicamento. E a Aids passou a ser, na cabeça dessa geração, uma doença com a qual é possível conviver. Houve uma banalização da doença. E aceitamos isso como se fosse uma coisa natural. ‘Ah, deixa, vamos comprar remédios para todo mundo’. Precisa dosar melhor.”

Para ele, evitar que essa escalada continue exigirá alterações de comportamento individuais. E o melhor motor dessas mudanças, diz, são as próprias famílias: “O que precisamos fazer é instrumentalizar as famílias. Você não pode esperar que o Estado diga que esse ou aquele comportamento é sexualmente correto.”

As afirmações de Mandetta se unem a declarações antigas de Bolsonaro — feitas anos antes da corrida ao Planalto, mas ressuscitadas nas redes sociais às vésperas do pleito — , quando o então deputado dizia que não cabe ao Estado se responsabilizar pelos cuidados médicos de pessoas que vivem com o HIV: “O pessoal vive na vida mundana e depois vem querer cobrar do poder público um tratamento que é caro”, disse ao programa CQC, em 2010.

Segundo o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Ferreira, as opiniões do novo ministro soam um alerta:

“Elas podem indicar mudanças na política de distribuição de medicamentos e na realização de campanhas de prevenção, duas áreas nas quais a atuação do ministério é fundamental.”

R$ 1,1 bilhão

Segundo Alexandre Grangeiro, pesquisador da USP e conselheiro da Associação Brasileira de Interdisciplinaridade de Aids (Abia), há outro problema. Bolsonaro já declarou à imprensa que o novo ministro da Saúde terá de “tapar os ralos e economizar recursos”. Existe o temor de que essa ambição provoque mudanças na política de assistência farmacêutica do ministério.

Desde 1996, o governo disponibiliza, na rede pública, tratamento com antirretrovirais a todas as pessoas que vivem com o vírus HIV. A estratégia, elogiada internacionalmente, tem também função preventiva.

“A pessoa que se trata e tem carga viral indetectável não transmite o vírus”, explicou Grangeiro. A política tem custos relevantes para os cofres públicos. Em 2017, a compra dessas medicações custou ao Ministério da Saúde cerca de R$ 1,1 bilhão.

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