O que é o machismo?, por Geraldo Miniuci

01 de dezembro, 2015

(O Estado de S. Paulo, 01/12/2015) O que é o machismo?

Para que uma sociedade possa existir, será necessário que seus membros aprovem determinadas normas fundantes, capazes de expressar princípios e valores norteadores da conduta de todas as pessoas que fazem parte dessa sociedade, em todos os âmbitos, seja quando elas protestam, legislam, executam a legislação ou julgam essa execução.

O machismo faz parte desse elenco de normas fundantes. A partir dele, são estabelecidas determinadas premissas que se naturalizam com o tempo e que norteiam os comportamentos individual e coletivo. Virilidade, coragem, bravura são alguns dos valores, dentre tantos outros, sintetizados pelo termo machismo. Numa sociedade que se organiza em torno deles, dos homens espera-se que sejam conquistadores, playboys, honrados pais de família ou alguém que não chore; das mulheres, que saibam administrar o lar, cozinhar, parir e cuidar da prole.

Em comunidades assim, que também podem ser chamadas de patriarcais, surgem naturalmente as vítimas da sociedade, isto é, aqueles que não são vistos como honrados pais de família ou mães de infinita devoção, mas como seres anormais: a solteirona que não deseja ter filhos, o homem delicado que chora e não demonstra firmeza, além, naturalmente, dos transexuais, travestis, gays e lésbicas, esses são apenas alguns exemplos de vítimas da moral e do comportamento machistas.

Não são, portanto, apenas mulheres que sofrem com o patriarcalismo, mas toda a gente. Mesmo no caso de agressões físicas, o sofrimento não é exclusivamente feminino: além da mulher espancada ou assediada, há também o filho pequeno que presencia rotineiramente cenas de violência doméstica ou de assédio contra sua mãe e sofre em silêncio com isso; além da moça que apanha do namorado, há também o rapaz fracote que se tornou saco de pancadas de valentões. Todos eles são vítimas do patriarcalismo.

Se mulheres não são as únicas vítimas, homens tampouco são os únicos perpetradores do machismo, pois a sociedade patriarcal é defendida também por mulheres conservadoras, como aquelas que, por exemplo, no Brasil, em 1964, saíram às ruas, marchando em nome da família, ao lado de Deus e pela liberdade, e que, hoje, exigem intervenção militar, lutam contra o aborto e reafirmam valores tradicionais; ou como aquelas mulheres que esperam de seus companheiros o cavalheirismo, essa contrapartida oferecida pelo marido opressor, que proíbe sua esposa de trabalhar, mas gentilmente abre-lhe a porta do carro; ou ainda por mulheres que transmitem à sua prole essa mesma visão de mundo e contribuem assim para a reprodução de uma identidade machista.

Não há contradição entre ser mulher e ser patriarcal, como haveria, por exemplo, entre ser negro e não gostar de negros, pois, num caso, afirma-se uma identidade, noutro nega-se a si mesmo. Pode-se discordar dessas senhoras, de seus valores e dos homens que elas apoiam, mas não se pode negar-lhes o direito de serem conservadoras, religiosas e de terem se preservado antes do casamento, apresentando-se virgem para o marido garanhão, cuja vida sexual iniciou-se num prostíbulo. Se são ou não felizes, isso não diz respeito a ninguém, a não ser a elas próprias. Não se pode exigir-lhes nenhuma mudança de comportamento, exceto nisto, que elas e seus homens não somente tolerem, como também reconheçam e respeitem quem quer ser diferente.

Os movimentos feministas ao longo da história denunciaram a precária situação das mulheres, tornando presente diversas iniquidades, hoje amplamente conhecidas. Ao fazê-lo, revelaram uma sociedade organizada em torno de valores patriarcais. Vistas de perto, sociedades patriarcais asseguram ao homem privilégios de toda sorte, porém, não a qualquer homem, mas a um determinado tipo de homem, o homem conquistador, o homem provedor, o homem competitivo, o honrado pai de família que não chora, tudo isso em detrimento não somente das mulheres, mas também de todos aqueles que não corresponderem ao tipo ideal do patriarcalismo.

As mulheres deram o primeiro e decisivo passo para romper esse paradigma. Na esteira do movimento feminista, outros grupos sociais se fizeram ouvir. Omissos até o momento, porém, estão os homens que sofreram abusos, que, quando meninos, testemunharam o assédio a suas mães, a suas irmãs, que apanharam por serem fracos, enfim, os homens que também tiveram “um amigo secreto”, cuja existência não têm coragem de revelar. Quando essas pessoas se fizerem ouvir nesse sentido, talvez percebamos que, para superar o patriarcalismo, deveremos superar a dicotomia homem vs. mulher e avançar na esfera pública com discussões menos agressivas e mais inteligentes.

Geraldo Miniuci é Professor Associado do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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