(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 07/12/2015) Na tarde da Marcha das Mulheres Negras, a subsecretária geral da Organização das Nações Unidas, Phumzile Mlambo Ngucka, recebeu cerca de 50 representantes de movimentos de mulheres negras e feministas e de outras organizações da sociedade civil, além de uma comitiva de mulheres do Xingu, no Museu Nacional, em Brasília.
A reunião teve por objetivo que as organizações de mulheres brasileiras apresentassem a Phumzile suas avaliações diante da campanha das Nações Unidas pelo avanço da igualdade para homens e mulheres até 2030, denominada Por um Planeta 50-50.
Durante a reunião com a subsecretária geral das Nações Unidas e diretora executiva da ONU Mulheres, as indígenas manifestaram seu repúdio à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 215/2000, que transfere da União para o Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas e homologação de territórios já demarcados. “Mesmo hoje [a demarcação] sendo responsabilidade do Executivo, temos uma dificuldade imensa em conseguir avançar com a regularização dos territórios. É muito lento esse processo. Se essa responsabilidade passar ao Congresso Nacional não vamos mais conseguir demarcar terra nenhuma, porque isso é totalmente contrário aos interesses dos parlamentares. O que eles querem é impedir as demarcações e facilitar o acesso deles à exploração desses territórios”, alertou Sônia Guajajara.
A assistente social e coordenadora da ONG fluminense Criola, Lúcia Xavier, falou sobre o desafio de construir a igualdade “num momento em que todos os Estados agem com racismo. E não é um racismo produzido por leis, ao qual se poderia fazer embargos ou boicote, mas uma prática cotidiana que tem levado a nós, mulheres negras, indígenas e outros grupos de outras sociedades a vivermos momentos de muita violência, perdas, mortalidade e desvalorização das nossas culturas”.
“Vivemos em um país de democracia incompleta, preconceituoso, que tem ainda uma desigualdade racial insuportável. E todas nós – mulheres negras, brancas e indígenas – precisamos muito da presença e do apoio internacional da ONU Mulheres. A Plataforma de Pequim faz toda a diferença neste país quando temos que reivindicar direitos junto aos poderes constituídos”, ressaltou Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão e integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil da ONU Mulheres no Brasil.
Phumzile lembrou que 20 anos atrás, ao assinar a Declaração de Pequim, o Estado brasileiro e os demais países assumiram obrigações com a efetiva igualdade entre mulheres e homens. “O governo brasileiro é signatário pleno desses acordos. E se há um Congresso conservador, o desafio está posto. Mas o país tem obrigações a cumprir.”
A subsecretária geral das Nações Unidas destacou ainda que esses compromissos incluem as agendas sobre acesso a educação, direitos reprodutivos e autonomia das mulheres sobre seus corpos.
Phumzile também foi questionada sobre o subfinanciamento às políticas de enfrentamento à violência, reparação às populações afrodescendentes pela escravidão e geração de emprego e renda e também sobre o recorte racista da violência institucional e policial no Brasil. Todas essas questões afetam mais duramente as mulheres negras, conforme mostram os indicadores sociais oficiais disponíveis. Em resposta, Phumzile admitiu que os investimentos feitos para a garantia dos direitos das mulheres “ainda são poucos”. E acrescentou que isso não é uma questão de uma “minoria”.
“O problema não é das mulheres, mas de toda a sociedade”, disse a subsecretária geral da ONU. “As mulheres são maioria da população mundial, mas isso não vem sendo tratado como uma questão central. O conjunto dos Estados tem que estar envolvido com as questões de gênero. Ministros das finanças e de planejamento têm que estar engajados na solução dos problemas das mulheres. Assim como precisamos das lideranças do setor privado e da mobilização de homens e meninos para solucionar o problema”, concluiu.
A participação na Marcha das Mulheres Negras e a reunião com lideranças de movimentos e organizações de mulheres foram agendas oficiais da primeira missão de da subsecretária geral Phumzile no Brasil.