Pacto universitário pelos direitos humanos, por Flávia Piovesan e Sílvia Pimentel

15 de setembro, 2016

A violência do sexismo, do racismo, da homofobia e de outras formas de intolerância e discriminação está radicada na cultura do sexismo, do racismo, da homofobia

(O Globo, 15/09/2016 – acesse no site de origem)

Pesquisa recente realizada pelo Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, aponta que 56% das estudantes universitárias já sofreram assédio sexual; 28%, violência sexual; 67%, algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) e 95% acreditam que a universidade deveria criar meios de punir os responsáveis por cometer violência contra mulheres na instituição. Por sua vez, 38% dos estudantes admitiram já ter praticado algum tipo de violência contra mulheres em espaços acadêmicos. Para Mafoane Odara, do Instituto Avon, “as universidades são violentas porque protegem os agressores e não ajudam as vítimas”. Na USP, em 2015, oito denúncias de estupro no campus foram investigadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do estado. Os casos têm se multiplicado nas universidades do país, bem como denúncias de ataques homofóbicos e racistas — como o ocorrido na UnB em 18 de junho.

O Departamento de Educação dos EUA, a pedido do presidente Barack Obama, está investigando 78 universidades suspeitas de ignorar denúncias feitas por estudantes. A violência do estupro, do sexismo, do racismo e da homofobia assume uma gravidade ainda maior quando perpetrada no espaço público das universidades, como território de produção e transmissão do saber e de práticas de extensão comunitária (a chamada universidade “extramuros”).

Em iniciativa inédita, em 31 de agosto, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo aprovou, por unanimidade, as “Diretrizes sobre assédio moral, sexual, discriminação e desigualdade”, como instrumento essencial para ações na universidade para a prevenção e o combate a todas as formas de intolerância e discriminação, no enfrentamento aos estereótipos de gênero, raça, cor, idade, etnia, origem, orientação sexual e identidade de gênero, situação social, econômica e cultural, dentre outras. A proposta original foi apresentada pelo Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e Igualdade da Faculdade de Direito.

Sob inspiração da pioneira iniciativa da PUC-SP e no sentido de difundir as “boas práticas”, em outubro será lançado o Pacto Nacional Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade e da Cultura da Paz e Direitos Humanos, por iniciativa da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania, em parceria com o Ministério da Educação, com o objetivo de fomentar a formulação, a implementação, o monitoramento e a disseminação de medidas que visem a assegurar a promoção e a defesa dos direitos humanos, fortalecendo a educação nesse sentido nas instituições de ensino superior. Não só no âmbito do ensino, mas também de pesquisa, extensão, gestão e convivência universitária e comunitária.

Dentre as ações prioritárias, destacam-se: a) a realização de campanhas continuadas para a sensibilização dos corpos docente, discente, funcionários e colaboradores; b) a criação de canais institucionais para o recebimento e apuração de denúncias de violações; c) a inclusão da educação em direitos humanos nos currículos; d) a implementação de medidas que valorizem melhores práticas na promoção e defesa de direitos; e e) o estabelecimento de mecanismos institucionais dentro de cada universidade para coordenar, fomentar e monitorar o cumprimento das medidas adotadas, mediante comitês gestores, bem como um comitê nacional. O próximo passo será fomentar pacto similar no âmbito da educação básica.

Fortalecer a educação em direitos humanos na arena global foi ainda tema de sessão especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, ontem, com vistas à implementação da Declaração da ONU sobre Educação em Direitos Humanos, adotada em 2011, e seus princípios básicos: igualdade, dignidade, inclusão e não discriminação. A educação é um direito humano em si mesmo e um direito de empoderamento, que impacta o modo pelo qual demais direitos são exercidos.

A violência do sexismo, do racismo, da homofobia e de outras formas de intolerância e discriminação está radicada na cultura dos mesmos sexismo, racismo, homofobia, intolerância e discriminação.

O combate à cultura de violação e negação de direitos requer como resposta a cultura da promoção e afirmação dos mesmos. As universidades têm o desafio de honrar a sua vocação maior com a responsabilidade de promover o respeito à diversidade e a promoção da cultura da paz e de direitos humanos, sem intolerância, violência ou discriminação.

Flavia Piovesan é professora de Direito da PUC-SP e secretária Especial de Direitos Humanos e Silvia Pimentel é professora de Direito da PUC-SP e integrante e ex-presidente do Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher

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