Livro “Explosão Feminista”, lançado pela Companhia das Letras, traz panorama múltiplo da onda feminista que tomou o Brasil desde 2013.
(HuffPost Brasil, 13/12/2018 – acesse no site de origem)
Em 2015, Heloisa Buarque de Hollanda tinha 75 anos e acreditava que sua geração teria sido, talvez, a última empenhada na luta das mulheres. No entanto, ela se surpreendeu quando viu uma nova onda de feministas tomar as ruas bradando “Pílula Fica, Cunha Sai” contra o “PL do Aborto”, que visava restringir o atendimento médico a vítimas de estupro e dificultar o acesso ao aborto legal no Brasil à época.
“Eu achei que nunca mais veria uma mobilização como essa. Tomei um susto. Isso, para mim, foi uma novidade”, afirmou a escritora em entrevista ao HuffPost Brasil*.
Três anos após o início da chamada “Primavera das Mulheres”, a professora de Teoria Crítica da Cultura da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutora em Letras, lança agora, aos 79 anos, o que batizou de “livro-ocupação”.
Ao lado de ativistas, acadêmicas e pesquisadoras de diferentes campos de atuação do movimento de mulheres no Brasil, ela construiu os 24 artigos que compõem as 530 páginas de Explosão Feminista (Companhia das Letras, 2018) e mostram as nuances da mobilização que se tornou imprescindível desde 2013.
Em comparação com o passado, Hollanda afirma que as principais demandas do movimento continuam as mesmas. Mas aponta que hoje “o encaminhamento delas é muito mais eficiente”, inclusive, porque a internet se tornou uma aliada. “Ela [internet] muda rigorosamente tudo, inclusive comportamentos políticos, coisa que não tínhamos na minha época”.
Para a especialista, diante do cenário conservador que a eleição 2018 trouxe, é preciso que o movimento exercite a escuta: “Não tem como o feminismo falar sozinho. Ele tem que falar com o todo. É uma questão social, não é uma ‘implicância de gênero’. Ninguém está contra os homens. As pessoas estão contra um sistema”, diz.
Leia a entrevista completa:
HuffPost Brasil: O livro soa como uma grande antologia do movimento feminista no Brasil atual. Como surgiu a ideia e por que lançar agora?
Heloisa Buarque de Hollanda: Sim, pode ser chamado assim. E olha, eu sempre trabalhei com tendências. Eu tinha “largado” um pouco os meus estudos feministas em 2015, mas aí eu percebi essa onda gigante das mulheres e comecei a prestar atenção. E aí eu achei muito novo o que está acontecendo agora. O que me atraiu foi a novidade. Um discurso novo, uma estratégia nova, as mídias novas que estão sendo usadas, e aí mergulhei nisso e resolvi fazer esse livro com todas essas vozes. E a hora de publicação foi a hora em que ele ficou pronto. Mas, de qualquer forma, é uma hora oportuna.
Logo na introdução você diz que, por volta de 2015, acreditava que a sua geração teria sido, talvez, a última empenhada na luta das mulheres até que o vozerio da Primavera das Mulheres tomou as ruas, as redes sociais, etc. Que diferenças você enxerga entre as gerações? Houve avanços?
Da terceira para a quarta [onda feminista], tivemos a internet. Ela muda rigorosamente tudo, inclusive comportamentos políticos. Veja a eleição que tivemos e como ela se deu. Antes você apostava em um porta-voz, hoje você não tem mais a “coisa” do intermediário. Isso é muito novo e eu acho que isso traz uma diferença cultural. Hoje, todo mundo, em princípio, tem o mesmo poder. Você dá um like, você já se manifesta. As demandas, no entanto, são as mesmas do passado. Mas o encaminhamento delas é muito mais eficiente. A internet ajudou nisso, é claro, e vai continuar ajudando porque é muito difícil controlar o que acontece nesse espaço. Você vai ter uma onda conservadora a partir de agora e talvez não dê para se manifestar na rua sem correr algum risco, por exemplo, mas você pode fazer isso na internet. Ela é uma alternativa importante e eficiente.
As “ondas feministas” a que Heloísa Buarque de Hollanda se refere, dizem respeito aos momentos históricos do movimento pelo mundo em que pautas e questões das mulheres foram debatidas e provocaram mudanças.
A primeira onda feminista aconteceu por volta de 1893 até 1932, e o voto feminino e a emancipação das mulheres enquanto sujeito político era a reivindicação do momento; de 1948, quando da publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, até por volta de 1963, deu-se a segunda “onda feminista”, que pedia o fim da discriminação e a completa igualdade entre os sexos. Já a terceira, entre 1980 até meados de 1990, buscou consolidar o conceito de interseccionalidade entre as vertentes do movimento e as conquistas anteriores. Já a chamada “quarta onda” teve início em meados de 2010 e permanece até os dias atuais. Ela está associada ao uso das redes sociais para reivindicar e garantir direitos. |
Em seu texto você também cita o livro que as ativistas e estudiosas Cherríe Moraga e Gloria Anzaldua publicaram em 1981 com diversas vozes do movimento da época. Ele é descrito como “de escrita acessível, íntima, de fala localizada, quase uma roda de conversa na qual as relações entre mulheres ganhavam inédita visibilidade”. Foi uma inspiração para o que você chamou de “livro-ocupação”?
Não exatamente. Mas eu vim um pouco nessa linha, que é uma linha de escrita feminina mesmo. Bem diferente da escrita masculina, que é toda formal, hierarquizada. Eu realmente quis propositalmente inventar um novo formato. Nesse em que ficou o Explosão eu nunca tinha escrito.
Na introdução do livro, você afirma que “hoje o tom é de indignação”, e que, para o seu espanto, “as demandas feministas estão sendo ouvidas como nunca”. Você também retoma um pouco da questão da escuta no capítulo de sua autoria, citando a escritora portuguesa Grada Kilomba. Essas demandas estão mesmo sendo ouvidas?
Eu estou falando hoje, em geral. A Grada escreveu há bastante tempo atrás o Plantation Memories – Episodes of Everyday Racism (Memórias da plantação – Episódios do racismo diário, em tradução livre, ainda sem edição em português), que é um livro em que ela fala que precisamos de escuta e questiona se estamos escutando certo.
Porque os movimentos sociais têm uma escuta péssima, veja agora nas eleições. Não sabe ouvir. É “surdo-mudo”. E as feministas também. O feminismo negro, por exemplo, eu descobri. Não era uma coisa que eu tinha conhecimento, que me dissesse respeito. Então, eu acho que essa escuta é o instrumento mais analítico e interpretativo que se possa ter. Não tem outro. Não adianta vir com teoria e jogar em cima, como opinião. Eu acho que você tem que ouvir, ouvir e ouvir cada vez mais. O momento é de escuta. É uma coisa que não tem nos movimentos sociais e nem na esquerda. A esquerda não ouve.
O pós-feminismo pressupõe que o feminismo deu conta do recado, quando está longe de dar.
A Grada Kilomba fala em “tradução” ao invés de escuta. O que ela quer dizer com esse termo?
A tradução é a escuta. É você entender o que o outro está sentindo. E você entender que não pode falar pelo feminismo negro, por exemplo. Você não passou por aquilo. Você tem que traduzir aquela dor. Você não pode repetir aquela dor. Não dá para dizer “somos iguais”. Não somos. É uma questão de tradução, você tem que saber que você é diferente e são línguas diferentes. Essa é uma posição bem difícil porque dá uma certa imobilidade para as mulheres brancas cis de classe média. Ela fica um pouco “sem voz”. Mas eu acho que é isso mesmo que tem que acontecer.
Mas será que ela fica sem voz, ou não sabe como se colocar diante do próprio feminismo negro, por exemplo?
Sim, são as duas coisas. Até por isso eu comecei o meu capítulo dizendo que sou professora, mulher, branca e cis. Me coloquei o tempo todo. Como mulher branca, como acadêmica. Quer dizer, a gente aprende a se colocar. E isso é o que a mulher branca tem que fazer. Tem que saber que ela está falando sempre do privilégio. E do lugar do privilégio não há dúvida. E é preciso verbalizar isso, eu acho. Ou escrever, como eu fiz. Eu tenho todos os defeitos [risos]. Só não sou homem. Se fosse tudo isso e homem aí já não tinha jeito. Mas está na hora de ouvir. Ou de traduzir. Mais até do que falar.
Algumas mulheres têm muita dificuldade em se entenderem como feministas, mesmo aquelas que têm atitudes essencialmente progressistas. A que você atribui isso?
Você sabe que em 1990 eu fui procurada por algumas artistas plásticas: Márcia X, Cristina Salgado, que são todas “barra pesada”. A Cristina tem uma série de nus que são geniais. Neles, as mulheres estão feias e usando elementos que exacerbam a feminilidade, e, para algumas pessoas. essa imagem é assustadora. Então elas estão todas muito comprometidas com essa questão política do trabalho e queriam que eu fizesse a curadoria da exposição. E eu pensei automaticamente em feminismo. E elas me disseram: “nós não somos feministas. Não admitimos sermos identificadas como feministas”. E eu disse: “Mas como, com essas obras explicitamente feministas?”. E elas disseram que não eram, e falaram em “pós-feminismo” que é uma coisa perigosa, eu não gosto.
Por quê?
Porque o pós-feminismo pressupõe que o feminismo deu conta do recado, quando está longe de dar. Então essa coisa me chocou. Eu falei “bom, essa palavra não volta mais, né?” Porque era uma geração inteira de mulheres artistas e muito competentes negando isso. A Ana Cristina César, por exemplo, que é um símbolo para outras mulheres poetas, dizia que não era feminista de jeito nenhum. “Feminismo, não, feminismo, não.” Então você vê que toda essa geração de agora que tem acesso ao texto dela, vai ler e ver que é feminista. Aí, de repente, apareceu essa garotada gritando “sou feminista, sou feminista, me chamem de feminista”, eu prestei atenção. Foi uma bênção.
Não podia se “autonomear” feminista. Até porque depois disso vem sempre aquele backlash [retrocesso] horroroso, de que você é ridicularizada, criticada…
Na sua visão, esse é um discurso muito comum entre as mulheres ainda hoje?
Sim. Aliás, nesse livro existem muitas artistas que dizem que ainda têm muita dificuldade de falar que são feministas. É muito forte isso na América Latina. Na Europa e nos Estados Unidos isso é muito mais tranquilo. Agora, assim, essas meninas que estão fazendo o movimento acontecer hoje se sentem muito confortáveis em dizer que são feministas. E se orgulham disso. Isso é uma novidade. Na minha geração, você escondia tudo o que podia. Você até poderia ser na prática, ter uma militância nessa linha, mas você não assumia que era feminista. Não podia se denominar feminista. Até porque depois disso vem sempre aquele backlash [retrocesso] horroroso, de que você é ridicularizada, criticada… De posse dessa informação, recentemente sempre que eu fui começar uma entrevista com alguma mulher eu perguntava para ela se ela era feminista. E aí começava: “Não, eu nunca fui, mas me tornei ontem, anteontem”. É isso que estamos vivendo. As mulheres estão se descobrindo.
Você acredita que o movimento precisa de uma “repaginação” para que seja mais aceito?
Eu acho que ele está muito aceito. Proporcionalmente? Por uma geração inteira. Eu acho que ele não é aceito em uma faixa de idade X. Acho que uma mulher de 50 anos começa a repensar, agora, uma menina de 15 anos. Eu não vejo negar que é feminista. A não ser que tenha alguma questão religiosa envolvida, ou um contexto familiar conservador, etc. Mas, em geral, você entra em uma escola, elas são todas feministas. Eu dediquei esse livro a todos os colaboradores e também à minha neta e três amigas dela de 12 anos. Elas são radicais, não no sentido da Eloísa Samy, mas elas passam o tempo todo em um xiitismo muito saudável. Eu acho que essa geração está vindo aí muito forte. Mas as mais velhas têm essa marca muito forte de estigmatizar o feminismo. Muito profunda. Mas agora a gente vai ter um backlash forte. Se dizer feminista será complicado em 2019.
Por que toda feminista é de esquerda? Nem todas são. Eu sou, mas nem todas são.
Existe um ponto do livro que está sendo muito criticado, que é o artigo da feminista radical Eloisa Samy. Ela compara a prostituição com necrofilia e nega a existência da transexualidade. Este é um conflito que você não quis deixar de colocar no livro? Por quê?
Sim. Nesse capítulo, especificamente, eu não escrevi. Em todos os outros eu escrevi junto ou tive algum tipo de participação. Nesse, sobre feminismo radical, o espaço foi completamente delas. Eu chamei a Eloísa porque ela é a líder das feministas radicais. Como eu não sou – nunca fui e até sou contra – resolvi dar voz para elas nessa discussão. Eu dei o espaço a ela, e eu realmente achei que ela pesou a barra, que ela realmente foi violenta. Mas achei também que era importante explicitar essa voz dissonante e violenta. É a luta delas. Elas são contra a prostituição e a questão transgênero. Quando elas falam melhor, elas até comovem. Porque elas dizem o seguinte: a prostituição por eleição é uma minoria absurda. Mas falar sobre prostituição, na realidade, é também falar sobre aquela menina de 13 anos que está na estrada do Amazonas e que o pai oferece ela para um caminhoneiro. Ou que ela tem que fazer isso para levar dinheiro para casa. As bacanas que querem ser prostitutas são muito poucas. E as outras morrem, são maltratadas. Pegam doenças horríveis. A realidade é bem diferente.
A importância de trazer essa discussão foi para mostrar o quão violento esse lado do feminismo é?
Ah, mostrar esse ponto de vista. De cada uma em seu lugar de fala. O lugar de fala do feminismo radical foi colocado assim. É um ponto muito dissonante. Qualquer reunião que você tenha, congresso, etc, se entram as feministas radicais elas “fecham o bar”. Agora, eu achei que tinha que estar presente no livro. Mas sensibilizou as mulheres trans, elas ficaram ofendidas. Eu entendo. E também acho que esse texto se perde no todo que é o livro.
Abrir espaço para o transfeminismo contrapõe essa visão radical?
O livro inteiro tem a presença das mulheres trans, a Amara [Moira], mesmo, apontou isso no lançamento, em São Paulo. Então, quer dizer, são 530 páginas a favor das mulheres trans. Com muito cuidado, e chamando e falando, mostrando que está em todos os lugares essa voz. E existem 14 de uma mulher xingando. E eu achei que trazer esse ponto de tensão seria significativo. Mostrar esse lado de reação. E a gente vai ter esse lado não só contra as trans, mas em todas as áreas a partir de agora. Então a gente precisa até ter um treino [risos]. A questão trans muda muito a estrutura. Porque se a estrutura patriarcal é baseada em uma dicotomia entre homem e mulher. A questão trans desafia isso com uma agudeza enorme. Nenhuma outra questão consegue colocar o dedo na ferida da composição estrutural do patriarcado como essa. Então o transfeminismo incomoda mais porque é o que vai mais fundo, o que fala de uma maneira mais à frente.
Após queixas tanto do movimento transfeminista quanto de outras ativistas que foram citadas equivocadamente e sem autorização no texto de Eloísa Samy, a Companhia das Letras informa que “Explosão Feminista” terá alterações em sua segunda tiragem impressa e que já foram feitas alterações em sua versão atual como e-book.
Nas redes sociais, Eloisa Samy afirmou que foi “publicamente humilhada, ridicularizada e aviltada” pela autora do livro e também que não foi informada “que o texto seria publicado como capítulo avulso no livro” . Em nota enviada à imprensa, a editora afirma que “se compromete a encartar errata informando que Aline Coelho, Angela Batista, Carol, Daniela Lima, Maísa Carvalho Costa e Maria Clara Bubna não são colaboradoras do capítulo ‘Feminismo Radical'” na próxima edição do livro e diz que “todos os textos incluídos na coletânea foram autorizados”. Leia a nota completa: |
Em contrapartida à essa movimentação feminista, nas eleições de 2018 foram eleitos candidatos que se dizem conservadores e que atacam o feminismo e as pautas ligadas aos direitos humanos, em especial das mulheres. Qual a sua visão sobre isso e o que esperar do próximo governo?
Eu acho que a sociedade queria isso. O patriarcalismo é uma estrutura pesada que vem desde a economia, passando por todos os setores. Você mexeu um passinho de feminista, mexeu com tudo. Parece um “pinball”. Mas existe uma estrutura muito sólida. E cada vez que anda um pouquinho, volta. E essa última andada trouxe essa multiplicidade de feminismos. Isso irritou muito porque já era difícil engolir as mulheres. Agora engolir lésbicas, trans… Não engole. Aí gera violência. E no mundo inteiro você tem essa volta conservadora porque eu acho que as minorias andaram muito. Um negro virou presidente [Barack Obama], uma mulher virou presidente [Dilma Rousseff], essa composição de forças de poder ameaçou uma estrutura que está posta e que não quer se desconstruir. E não tem como o feminismo falar sozinho. Ele tem que falar com o todo. É uma questão social, não é uma “implicância de gênero”. Ninguém está contra os homens. As pessoas estão contra um sistema. E o sistema devolve. Eu acho que sempre foi assim. Mas essa onda conservadora que não acontece só no Brasil deixou isso mais exacerbado.
Você acredita que direitos já conquistados possam ser retirados? Por quê?
Eu acho que pode haver um forte retrocesso, sim. Eu acho que a gente pode andar para trás na questão do aborto, do nome social. A gente não sabe, por exemplo, a força dessa bancada evangélica. E não são todos os evangélicos, né? Agora a minha linha de estudo é a cultura evangélica. […] Nas periferias, muitas vezes, a única alternativa de vida que eles têm é a igreja. O estado está ausente, então a igreja te acolhe, te torna um cidadão, reforça a sua individualidade. Isso é fundamental e já virou uma forma de ser. É urgente estudar isso agora. Veja a Mônica Francisco, por exemplo. Ela é uma pastora e tem um trabalho muito progressista. E veja, nas entrevistas, geralmente, me perguntam se o feminismo é de esquerda. Você não pode dizer isso. É uma movimento que não é conservador, claro. Mas essa coisa de esquerda e direita é complexa também. Toda feminista é de esquerda? Nem todas são. Eu sou, mas nem todas são. Assim também como todos os evangélicos não são conservadores. Tem muita luta. O feminismo cristão é muito importante. Então nem tudo está perdido. Ser evangélico não é ser conservador.
O último capítulo do livro traz textos de feministas veteranas, e a senhora se refere a esses artigos como “um sinal de alerta”. Qual seria o principal alerta e qual a importância de jovens feministas ouvirem as que vieram antes delas?
É muito significativo ter esse capítulo justamente por isso [ouvir as que vieram antes]. Eu estou fazendo essa pesquisa, resgatando essa história dos anos 70 até os 90.
O patriarcado não ajuda ninguém. Agora você mexer no patriarcado não é brincadeira.
Elas se identificavam como feministas?
Sim, mas são muito poucas. E são as que estão no livro e que eram as militantes, ativistas. Só quem se identificava como feminista naquela época eram as que tinham militância. Uma dona de casa não dizia que era feminista, uma poeta não dizia que era feminista, uma jornalista não dizia, uma artista plástica não dizia. Como eu não conseguia trabalhar as artistas na chaga do feminismo, porque elas diziam que não eram feministas de jeito nenhum, eu comecei a pensar o impacto do feminismo na arte em si. Mas aí fica mais fácil, porque você vê o impacto do feminismo ali. Apesar de ela não se colocar como feminista.
Algo que não comentamos ainda é o papel dos homens nessa “explosão”.
Eu acho que o homem é igualzinho à mulher branca, nesse sentido. Ou ele assume que está em uma posição de privilégio e diz que é branco e homem e aí, sim, podemos conversar. E deixa o outro falar. Ou eles assumem que têm poder e se desconstroem, ou não teremos avanço. E o que faz uma pessoa em lugar de privilégio? Ouve. A quantidade de atributo dito à mulher para ela calar a boca não tem tamanho. Você pode lembrar de umas dez frases agora. “Deixa eu falar” é uma frase muito presente na fala das mulheres e a conversa se torna uma disputa de minutos enlouquecida. Nós, brancas, não estamos quietas, ouvindo, nos localizando? É isso que eles também têm que fazer. A gente precisa ajudar os homens porque eles também não estão bem nessa posição. O patriarcado não ajuda ninguém. Agora você mexer no patriarcado não é brincadeira.
*A entrevista ao HuffPost Brasil foi concedida na tarde do dia 6 de dezembro.