Plano Municipal de Educação é aprovado sem o termo ‘gênero’

11 de agosto, 2015

(O Estado de S. Paulo, 11/08/2015) Essa foi a 1ª votação do plano; desde cedo, manifestantes de movimentos LGBT e entidades religiosas protestam na Câmara

Após quase quatro horas de debate,  os vereadores de São Paulo aprovaram em primeira votação o Plano Municipal de Educação (PME), por 42 votos a 2. O PME prevê metas a serem cumpridas para a Educação na capital pelos próximos 10 anos em São Paulo.

O termo “identidade de gênero”, alvo de protesto entre entidades religiosas, foi deixado de fora do texto. Os únicos vereadores a votar contra foram o vereador Toninho Vespoli (Psol) e Ricardo Young (PPS).

O texto votado é um substitutivo apresentado pelo vereador Milton Leite (DEM), aprovado na Comissão de Finanças, última antes de o projeto ir a plenário.

Grupos contrários à inclusão da igualdade de gênero no ensino protestam na frente da Câmara Municipal

Grupos contrários à inclusão da igualdade de gênero no ensino protestam na frente da Câmara Municipal (Foto: Reprodução)

Nele, foram retiradas a meta de repassar 35% do orçamento municipal para a Educação e outros objetivos,  como número máximo de alunos por sala, ficaram escritos de maneira genérica. Os vereadores prometem apresentar novas emendas na próxima votacão, que ocorrerá no dia 25.

Além disso, todos os trechos em que a palavra “gênero” era citada foram removidos, apôs pressão de grupos religiosos. O texto original do PME promovia, em três das metas, discussões sobre discriminação por gênero nas escolas além de aulas de educação sexual e diversidade.

“Os grupos organizados pressionaram demais os vereadores e eles, acuados, cederam e criaram esse substitutivo. que elimina a questão de gênero e da educação sexual. Nós não podemos tratar uma de uma votação dessa na base do oportunismo”, criticou Young, um dos votos contrários.

Já o vereador Ricardo Nunes (PMDB), que votou pela aprovação do substitutivo, criticou o “gênero”. “O Plano Nacional de Educação não colocou, a maioria dos estados e municípios também não. São Paulo segue o direito de a família educar seus filhos”.

Protestos. Durante todo o dia, desde às 10h, a Câmara foi alvo de protestos. Manifestantes de movimentos LGBT e entidades ligadas às igrejas Católica e Evangélica ocuparam a frente da casa, na região central de São Paulo, contra e a favor da questão da igualdade de gênero. Não houve confrontos.

Embora a PM não tenha divulgado o número de pessoas no ato, era visível que os religiosos estavam em maior número – contaram com um caminhão de som e uma banda. Não houve atrito direto com os defensores do movimento LGBT, já que uma grade separou os dois grupos. Algumas provocações foram ouvidas em gritos. “Fascistas não passarão”, disse um militante LGBT.

A estudante de Artes Cênicas e católica Isabela Fino, de 20 anos, disse que ficou sabendo do ato pelo Facebook. “Somos um grupo de pessoas pró-família. Sabemos que a ideologia de gênero é um braço da implantação da ditadura comunista no Brasil”, disse. “A ideologia de gênero representa a destruição da família”.

O diácono da Diocese de São Paulo Rodrigo Amaral, de 37 anos, disse que acompanha a discussão de gênero desde a votação do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014. “Educação moral é da família. Certas coisas não se aprende na escola”, disse. Durante o ato, muitos manifestantes se ajoelham e oram.

Já do lado LGBT, a defesa é pela inclusão da igualdade de gênero no PME. “Essa discriminação precisa acabar. Fiquei 25 anos fora da escola”, contou a estudante e transexual Márcia Souza, de 40 anos. Ela voltou aos estudos só depois de participar do programa municipal Transcidadania, que oferece bolsas a travestis e transexuais voltarem para a sala de aula. “Estar na escola levanta autoestima. Quero ir para a faculdade, estudar Pedadogia”, disse.

A jornalista e militante feminista Vanilda Anunciação, de 37 anos, defendeu a inclusão da medida no PME.  “É fundamental. A escola precisa ser um espaço de inclusão para todos e todas”. Ela lembrou os episódios de machismo, estupro e violência contra a mulher relatados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das universidades paulistas, instalada no ano passado. “Estudantes de Medicina que chegam na universidade achando que mulheres são objeto, que podem ser abusadas, estupradas. Se a realidade é tão machista, é fundamental discutir gênero na escola”.

Veja todos os pontos em que a identidade de gênero é citada no PME

3.17. Desagregar, cruzar e analisar anualmente todos os indicadores educacionais com relação à renda, raça/etnia, sexo, deficiências e aprimorar o preenchimento do quesito raça/cor e do nome social de educandos travestis e transgêneros no Censo Escolar de modo a conhecer e atuar de forma mais precisa em relação à permanência, transformações e desafios vinculados às desigualdades na educação.

3.19. Instaurar para as instituições escolares protocolo para registro e encaminhamento de denúncias de violências e discriminações de gênero e identidade de gênero, raça/etnia, origem regional ou nacional, orientação sexual, deficiências, intolerância religiosa, entre outras, visando a fortalecer as redes de proteção de direitos previstas na legislação.

3.20. Promover ações contínuas de formação da comunidade escolar sobre sexualidade, diversidade, relações de gênero e Lei Maria da Penha n° 11.340, de 7 de agosto de 2006, através da Secretaria Municipal de Educação e em parceria com Instituições de Ensino Superior e Universidades, preferencialmente públicas, e desenvolver, garantir e ampliar a oferta de programas de formação inicial e continuada de profissionais da educação, além de cursos de extensão, especialização, mestrado e doutorado, visando a superar preconceitos, discriminação, violência sexista, homofóbica e transfóbica no ambiente escolar.

3.21Difundir propostas pedagógicas que incorporem conteúdos sobre sexualidade, diversidade quanto à orientação sexual, relações de gênero e identidade de gênero, por meio de ações colaborativas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, dos Conselhos Escolares, equipes pedagógicas das Unidades Educacionais e sociedade civil.

6.5. Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero e etnicorracial, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão.

7.4. Fomentar a implementação de políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero e étnico-racial, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão.

Luiz Fernando Toledo

Acesse o PDF: Plano Municipal de Educação é aprovado sem o termo ‘gênero’ (O Estado de S. Paulo, 11/08/2015)

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas