(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 01/09/2014) Pesquisadora da UFRGS destaca que “a estrutura político-partidária ainda é fechada às mulheres”
As eleições presidenciais deste ano serão inéditas em termos de participação feminina na disputa. São três mulheres concorrendo ao mais alto cargo político do país, duas delas destacadas na dianteira das pesquisas de intenção de voto. Embora ainda longe de atingir o percentual estabelecido na legislação eleitoral, o número de candidaturas de mulheres a cargos proporcionais também cresceu de forma geral nas eleições deste ano em relação a 2010.
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As mulheres nos números do TSE
De acordo com os dados disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os partidos inscreveram 8.109 mulheres para os cargos eletivos em disputa – 31,01% do total das listas das agremiações. Mas já no julgamento preliminar dos registros o percentual de candidatas aptas caiu para 28,8% do total de concorrentes, somando 6.565 mulheres em 1º de setembro. Nesta data estavam pendentes de julgamento 83 pedidos de registros de mulheres. E ainda estão tramitando recursos dos partidos na Justiça Eleitoral em todo o país com prazo limite de substituição de nomes até 20 dias antes do pleito nos casos de indeferimento do registro. Isso significa que o processo eleitoral pode se encerrar com, no máximo, 6.648 candidatas, se todas as situações pendentes forem julgadas favoravelmente às postulantes. Para isso, todos os pedidos de registro ainda em análise pelo Judiciário Eleitoral teriam que ser deferidos e todas as candidaturas aptas que têm recursos pendentes de julgamento também teriam de ser consumadas.
Também com base nos dados divulgados pelo TSE, logo após o encerramento do prazo de inscrições alguns veículos de comunicação chegaram a noticiar que o crescimento das candidaturas femininas nesta eleição totalizaria 46,5% em relação ao pleito de 2010. Mas esse dado não considerou os julgamentos das inscrições. Se todas as candidaturas femininas se efetivarem daqui para a frente, o crescimento real, comparando-se os dados com a eleição passada, será de 29,8% a 31,5%, no máximo, o que explica porque o próprio Tribunal não divulgou nenhuma matéria até o momento analisando o crescimento percentual de candidatas inscritas.
O aumento das candidaturas de mulheres se deu em particular nos cargos de deputados (federal, distrital e estadual). Em relação ao Senado, há uma mulher a menos concorrendo em comparação com 2010 e, no caso das suplências daquela Casa, houve redução do número de candidatas. Em relação aos cargos de governador e vice, o número ficou estagnado. O número de candidatas à Vice-Presidência da Nação também subiu de 1 para 4.
Ainda de acordo com o TSE, o crescimento do eleitorado feminino entre 2010 e 2014 foi de 5,81% e as mulheres representam hoje 52,13% do eleitorado.
Análise dos números exige cautela
Para a cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Céli Pinto, os número devem ser analisados sem efusividade. “Há sim um crescimento de mulheres com mais densidade pública e política nos partidos aparecendo nos programas eleitorais, mas, na grande maioria, esse aumento ainda mostra que as mulheres têm muito pouco espaço nas estruturas partidárias. Nos programas eleitorais você vê que tem mais mulheres aparecendo, mas algumas evidentemente são as chamadas candidaturas laranjas”, ressalta.
“É mentira que temos um eleitor preconceituoso. A estrutura político-partidária é que é fechada às mulheres e a tudo o que é novo.”
A pesquisadora e especialista no tema da participação política feminina ressalta que o modelo eleitoral em vigor no País favorece essa situação. “É mentira que temos um eleitor preconceituoso. A estrutura político-partidária é que é fechada às mulheres e a tudo o que é novo”, afirma. Dados da pesquisa realizada em 2013 pelo Ibope em parceria com o Instituto Patrícia Galvão corroboram a opinião da professora. Segundo a pesquisa, 71% dos entrevistados consideram que a reforma política é importante ou muito importante para garantir listas paritárias de candidaturas. O estudo aponta ainda que 78% da população defende a obrigatoriedade de divisão meio a meio das listas partidárias e 73% aprovam punições às legendas que não apresentarem paridade entre os dois sexos.
“Enquanto não tivermos uma reforma política que imponha limites às oligarquias partidárias vai ser assim. As listas abertas permitem que os partidos ‘cumpram’ a lei colocando o número de mulheres adequado a uma lista infindável de candidatos homens.”
A professora Céli Pinto ressalta os importantes avanços como a mudança da legislação em 2009, que obrigou os partidos a preencherem 30% das candidaturas com a cota de gênero e a reservar 5% dos recursos do fundo partidário para a formação de lideranças políticas mulheres, mas destaca também as contradições e o que poderia ser considerada como excessiva liberdade partidária. “Os partidos dão os 5% e não investem os outros 95%. Concentram verbas e estrutura para as mulheres capazes de se eleger porque já são campeãs de votos”, afirma. E prossegue mencionando um dado desanimador. “Estou fazendo um estudo que mostra que as candidaturas de todos os partidos brasileiros podem ser divididas em três blocos: os candidatos que vão ganhar, as lideranças sociais muito importantes e que têm boa votação mas dificilmente se elegem e as candidaturas laranjas. E a participação de mulheres nesses três blocos é inversamente proporcional”, alerta.
“Enquanto não tivermos uma reforma política que imponha limites às oligarquias partidárias vai ser assim. As listas abertas permitem que os partidos ‘cumpram’ a lei colocando o número de mulheres adequado a uma lista infindável de candidatos homens”, conclui a pesquisadora.
O machismo arraigado na estrutura política é potencializado pela lógica publicitária
Céli Pinto comentou ainda estudo que realizou para verificar a quantidade de mulheres que alçaram a cargos eletivos em todos níveis disputados no período de 1950 a 2010. Apenas 595 foram eleitas e somente 73 foram reeleitas duas vezes, de acordo com o levantamento.
O machismo arraigado na estrutura política é potencializado pela lógica publicitária, na opinião da especialista. “Basta ver o que fizeram com a Dilma no programa de apresentação da candidatura. Uma mulher que foi guerrilheira, ministra, é presidente há quatro anos, inaugura obras por todo o País e a colocam cozinhando massa no programa eleitoral. Assim é a cabeça dos partidos e do pessoal da propaganda”, desabafa. Uma rápida análise pelas propagandas eleitorais na TV e no rádio reforça a tese. A maioria absoluta das candidatas e candidatos, majoritários e proporcionais, se apresenta como mulheres e homens “de família” ou “defensores da família”.
A importância da atuação feminista na política
Céli ressalta ainda que, muitas vezes, para conseguir espaço nos partidos e buscar um mandato, as mulheres se adequam à lógica vigente. “As únicas mulheres que se destacaram no parlamento pelo recorte feminista são a Marta Suplicy e a Eva Blay”. A petista Marta foi deputada, senadora e hoje é ministra da Cultura. Eva foi suplente de senadora na eleição de Fernando Henrique Cardoso, assumindo o cargo entre 1992 e 1995.
A professora aponta também que a maioria das mulheres parlamentares ainda têm em geral uma trajetória partidária muito similar à dos homens nas estruturas partidárias ou se adequam a elas, assumindo cargos nas comissões mais identificadas como “femininas” – como Educação, Saúde e Seguridade. Ou até fazem mandatos politicamente marcantes, mas raramente identificados como um mandato feminista. Esse é mais um dos desafios colocados na opinião da pesquisadora.
Céli Pinto – cientista política, docente e
pesquisadora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS
Tel.: (51) 3308-6639
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