Chilena Laura Albornoz Pollmann também foi Ministra de Assuntos da Mulher no governo de Michelle Bachelet. No Rio, ela participou de fórum sobre gênero e segurança
(O Globo, 22/09/2019 – acesse no site de origem)
RIO — A mulher latino-americana conseguiu importantes conquistas nos últimos anos, mas hoje enfrenta a ameaça de uma onda conservadora que pode levar a retrocessos. O diagnóstico foi feito pela advogada chilena Laura Albornoz Pollmann , professora da Universidade do Chile e senior fellow do Atlantic Council.
No Rio, ela participou na semana passada da XVI Conferência de Segurança Internacional do Forte de Copacabana, realizada na Escola Naval pela Fundação Konrad Adenauer, em painel sobre o fator gênero na segurança internacional.
Laura Albornoz Pollmann foi ministra de Assuntos da Mulher do primeiro governo de Michelle Bachelet (2006-2010) e já chefiou a Comissão Interamericana de Mulheres da OEA. No Brasil, ela se diz preocupada com informações que chegam ao Chile sobre direitos das mulheres.
CELINA: O feminismo vive um momento de explosão no Chile, principalmente nas universidades.
LAURA ALBORNOZ POLLMANN: O feminismo sempre esteve ativo, mas é verdade que retomou muita força com a ação das estudantes universitárias. No ano passado, o movimento se ativou por uma denúncia de assédio sexual, e eu me envolvi na universidade onde trabalho no cumprimento da punição de quem cometeu o assédio, que era um professor importante dentro da instituição. Ele era do meu partido, a Democracia Cristã, e terminou renunciando. A legislação chilena não tem regras para casos de assédio sexual entre professores e estudantes. Agora, por esta mobilização, foram criados procedimentos nas universidades. As mudanças sempre ocorrem depois de episódios como este. As estudantes souberam politizar com força a questão do feminismo. A única manifestação relevante dos últimos tempos foi a de 8 de março passado, Dia Internacional da Mulher.
Nos últimos anos, o Chile aprovou o aborto em três casos específicos e o movimento feminista ganhou peso na agenda nacional. Quais foram os principais avanços?
O aborto em três casos foi aprovado no segundo governo de Bachelet (2014-2018). Os avanços estiveram relacionados, por exemplo, ao reconhecimento legal do feminicídio. Ter uma mulher presidente ajudou muito. Mas a Argentina teve uma presidente mulher (Cristina Kirchner) e os avanços não foram tão notórios. Nem sempre ajuda, mas no caso do Chile sim. E tampouco é algo relacionado a governos de esquerda, que não são sinônimos de empoderamento feminino. Mas, no Chile, tivemos uma mulher presidente, socialista, que respaldou medidas em defesa dos direitos da mulher e da identidade de gênero.
O que ainda está pendente no Chile e na região?
A América Latina politizou as demandas das mulheres com valentia, mas continua sendo um continente conservador. Pelas ditaduras que vivemos, a falta de democracia e de desenvolvimento. As mudanças no mundo e na região obrigam a refazer os diagnósticos. Ainda falta muito, e devemos assumir as novas demandas. Na América Latina, as mulheres ainda não ocupam espaços importantes de poder nem em processos de paz ou mecanismos de resolução de conflitos armados. E elas são as principais vítimas. Fui presidente da Comissão Interamericana da Mulheres da OEA, e, em muitas regiões, a situação é de alto risco para elas.
Quais regiões?
A fronteira entre Brasil e Venezuela e as zonas de conflito armado na Colômbia, por exemplo. A situação continua sendo muito desigual, e os riscos são permanentes. As economias vivem momentos de tensão e, novamente, quem são os mais afetados? As mulheres, as mais vulneráveis. Temos a situação das mulheres imigrantes e a existência de uma discriminação essencialmente racial. No Chile é incrível como tratam as mulheres imigrantes negras, sejam do Haiti ou da Colômbia. As haitianas trabalham em serviços de limpeza e são muito discriminadas.
A senhora fala numa ameaça conservadora.
Sim, me pergunto se estas ondas conservadoras, populistas, provocarão um retrocesso. Os avanços conseguidos em matéria dos direitos das mulheres estão em risco. Quando uma ministra diz que as meninas são exploradas porque pobres e não usam calcinhas , isso nos impacta e preocupa.
Essa informação teve repercussão no Chile?
Claro que sim. Quero ser cuidadosa, não quero gerar conflito. Mas me parece delicado o retrocesso em países como o Brasil, assim como poderia ser no Chile ou na Argentina. Os machismos são de direita e de esquerda. Temo que sejam afetados acordos internacionais que consagraram o respeito aos direitos humanos das mulheres.
Seu diagnóstico é que as mulheres latino-americanas conseguiram avanços, mas hoje lidam com ameaças conservadoras?
Sim, essas ameaças estão aí, latentes, têm diferentes rostos e podem nos levar a retrocessos. Os discursos constroem realidades. Os fundamentalismos que passam por cima dos direitos humanos são perigosos. A ministra Damares irá ao Chile em novembro para participar de um encontro da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e gostaria muito de ouvir suas opiniões pessoalmente. Gostaria de saber o que pensa o governo do Brasil sobre a ratificação do Mandato de Montevidéu de 2016, que fala num piso mínimo que deve ser respeitado em matéria de direitos das mulheres.
Michelle Bachelet foi criticada pelo governo brasileiro após ter questionado a situação dos direitos humanos no país.
Podem existir diferenças sobre o que foi seu governo, mas a figura de Michelle Bachelet no Chile em relação a seu passado é muito respeitada . Foi despropocional, incorreto e inadequado. O papel de Bachelet nas Nações Unidas é denunciar situações de vulnerabilidade de direitos, como ela fez nos casos da Venezuela e do Brasil. Em geral, quando um governo é questionado por um organismo internacional a resposta deve ser à altura. Todos acordamos formar parte deste sistema de defesa dos direitos humanos.
Quais são os desafios para as mulheres e para a região nos próximos tempos?
Lidar com questões como situações de conflito, migrações, tráfico de armas e de drogas e como elas afetam as mulheres e seus direitos. Ainda temos um problema complexo de distribuição do poder. Somos 52% da população latino-americana e estamos pedindo que nossa opinião seja levada em consideração em processos de segurança, de construção de paz e em regiões de conflito.
Por Janaína Figueiredo