Candidaturas e mídia estão desafiadas a pautar interesses das mulheres no debate eleitoral

09 de agosto, 2016

(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 09/08/2016) Na primeira eleição em que as mulheres são maioria do eleitorado em todas as unidades da federação, candidaturas, equipes de campanha e profissionais do jornalismo precisam abrir os olhos para o peso do voto deste segmento. Essa foi a avaliação consensualmente expressa pelos representantes dos principais institutos de pesquisas durante o Seminário Nacional ‘Desafios para a Igualdade de Gênero e Raça nas Eleições Municipais de 2016’, que reuniu especialistas e jornalistas de todas as regiões do país. O evento foi realizado pelo Instituto Patrícia Galvão nesta segunda e terça-feiras, na cidade de São Paulo, com apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério da Justiça e Cidadania.

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Alessandro Janoni fala durante o seminário, tendo a seu lado Márcia Cavallari (à esquerda) e Renato Meirelles e Jacira Melo (à direita) (Foto: Luciana Araújo).

Eleições 2016: oportunidade para as mulheres candidatas e eleitoras

“Nunca foi tão importante colocar no debate eleitoral as demandas das mulheres. E elas têm um conjunto de demandas muito objetivas para a esfera municipal”, ressalta o presidente do instituto Locomotiva Pesquisa e Estratégia, Renato Meirelles.

O fato de pleitos municipais serem os espaços que debatem centralmente os problemas sociais gerados pelas desigualdades de gênero, raça e classe que estão mais próximos da realidade da população também coloca as mulheres no centro da decisão eleitoral. “As mulheres são muito mais críticas sobre o comportamento eleitoral nas eleições municipais do que em quaisquer outras, porque o funcionamento das cidades como um todo afeta muito o dia a dia delas. É a creche, o lixo que não foi recolhido, o transporte. Então, o criticismo das mulheres é muito maior que o dos homens”, ressalta Márcia Cavallari, CEO do Ibope.

Na apresentação que fez durante o evento Márcia Cavallari mostrou com dados que a tarefa de ganhar o voto feminino não será fácil este ano. Para 77% das brasileiras as expectativas de vida não são animadoras – 44% afirmam sentir-se apáticas em relação ao ano como um todo, à vida pessoal, à política e à economia e 23% se declaram incrédulas nas perspectivas para este ano em comparação com o ano passado. Além disso, 36% delas estão pessimistas com o futuro do país.

E chegamos à mais alta taxa de percepção nos últimos oito anos de que as liberdades democráticas, direitos sociais, oportunidade e seguridade não estão garantidos no país, especialmente para as mulheres (62%). Em 2007, primeiro da série apresentada na pesquisa Latinobarômetro, 54% tinham essa percepção.

“Decidindo seu voto cada vez mais tarde, a mulher tem também o poder de mudar o resultado da eleição pelo peso que ela tem no eleitorado”, ressalta a CEO do Ibope.

Quase metade das mulheres brasileiras (47%) também avalia mal os prefeitos de seus municípios e os problemas da saúde pública são a maior preocupação para 43% delas. Nesse contexto, ganha peso o debate sobre a garantia dos direitos das mulheres frente à epidemia do zika vírus, que também foi pauta do seminário após apresentação de dados das pesquisas realizadas neste ano pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Locomotiva e o Data Popular. O debate contou com a participação da consultora da ONU Mulheres Linda Goulart e do consultor do Fundo de Populações das Nações Unidas, Roger Nascimento.

Para Alessandro Janoni, vice-presidente do Datafolha, o desinteresse das mulheres verificado pelos três institutos em pesquisas diversas se explica porque “a crise de representação tem como base a delegação de poder. Vou eleger um representante e dar poder a ele quando na verdade vejo que ele representa os interesses dele?”

Mapa eleitoral evidencia contradições

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Da esquerda para a direita, Luana Natiele (Plataforma Dhesca), Fátima Pacheco Jordão, Luis Felipe Miguel e Adriana Valle Mota (Foto: Géssica Brandino).

A análise dos resultados eleitorais na última década coloca as regiões Nordeste e Norte do país como referências positivas para a igualdade de gênero na política em um país que está na retaguarda absoluta no quesito da participação política. O Brasil ocupa o 124° lugar em participação feminina no parlamento federal quando analisadas 145 nações. Na América Latina fica à  frente apenas do Haiti e Belize. Nas eleições de 2008, no Norte e Nordeste brasileiros os percentuais de mulheres eleitas ficaram acima da média nacional em todos os cargos disputados.

Naquele pleito o Brasil elegeu 12,52% de vereadoras. Nos sete estados nortistas o percentual de mulheres eleitas para as câmaras municipais foi de 14,82%. E nos nove estados da região Nordeste o índice de vereadoras eleitas foi de 13,58%. As prefeituras foram conquistadas por 504 mulheres (9,07%) – um pequeno aumento em relação a 2004, quando apenas 407 prefeitas foram eleitas. A região Sudeste foi a que elegeu menos vereadoras (10,61%) em 2008, e o Sul do país foi onde as mulheres conquistaram menos espaços nas prefeituras (5,72%).

Apesar desses dados, a região Norte do país tem estados como o Amazonas, que nunca elegeu uma governadora e nem teve uma mulher entre os presidentes das câmaras municipais ou da Assembleia Legislativa. “A capital, Manaus, nunca teve uma prefeita eleita”, lembrou a editora de política do jornal Em Tempo, Valéria Costa. Hoje a única representante do sexo feminino no comando de um governo estadual naquela região é Suely Campos (PP), em Roraima, que se tornou candidata após seu marido e antigo político no Estado tornar-se inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

Para a socióloga Adriana Valle Mota, uma das explicações para o fenômeno da maior representatividade feminina no Norte e Nordeste está no tamanho dos municípios. “Quanto menor a cidade maiores as chances de as mulheres terem um destaque naquela comunidade”, afirmou a consultora do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam).

Ao fator geográfico o também sociólogo e professor da Universidade de Brasília Luís Felipe Miguel acrescentou outros três entraves para a carreira política das mulheres. São eles: a divisão sexual do trabalho, a extensão da carreira política no país para quem ambiciona os principais cargos e a estrutura social que leva as mulheres a compreenderem que o espaço da política institucional é masculino e que elas não são bem-vindas. “Temos carreiras políticas que se encerram no nível municipal, não por incapacidade mas porque as próprias mulheres ‘limitam’ sua ambição por conta dos imperativos familiares, o que ajuda a explicar porque elas estão mais presentes na política nos municípios menores”, avaliou.

Competitividade das mulheres põe em risco “oligarquias partidárias masculinas”

Para Luis Miguel, que ressaltou que “os resultados das eleições de 2014 foram os piores em muitos anos” para as mulheres no Congresso Nacional, é importante ressaltar que no primeiro turno daquelas eleições dois em três votos foram para mulheres – Dilma Rousseff, Marina Silva ou Luciana Genro. E a leve vantagem que a representatividade feminina alcançou no Senado Federal (16%) também evidencia que elas “têm competitividade eleitoral”.

A socióloga Fátima Pacheco Jordão concorda e ressalta: “O poder das mulheres na política é muito grande, por isso as oligarquias partidárias masculinas seguram as candidaturas e os espaços das mulheres nos partidos. Eleitoralmente somos muito perigosas”.

Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, complementou ressaltando que “as mulheres vão às eleições em condições muito desiguais”.

Luana Natielle, pesquisadora da Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, ressaltou que o espaço dos partidos políticos e dos cargos públicos chegam a ser “espaços violentos, e se é sim importante garantir a participação das mulheres é preciso aprofundar o debate sobre porque esse espaço é tão violento”.

“Os partidos políticos são um reduto masculino e isso dificulta a nossa participação. Alguns partidos têm feito algumas ações para colocar mulheres nos diretórios nacionais e estaduais, e isso é muito importante. Quando se faz o recorte de raça a situação fica ainda mais difícil”, destacou Silvia Rita Souza, representante da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.

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