(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 15/04/2015) Promovido pelo Instituto Patrícia Galvão e a ONU Mulheres, com apoio da Fundação Ford, o Painel Pequim+20: Mais Mulheres na Política discutiu nesta terça-feira (14) em Brasília uma série de ações de incidência no debate sobre a reforma política a fim de assegurar maior representação política parlamentar das mulheres. Durante o evento, que teve três sessões de debate, foram discutidos os dados da pesquisa “Mais Mulheres na Política”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Ibope, em 2013. Também foi destaque no evento a presença da cientista política e professora emérita da Universidade da Califórnia (UCLA) Carole Pateman.
Eventos Pequim+20
A atividade foi a primeira de uma série de três painéis temáticos – haverá outro sobre violência contra as mulheres e um sobre direito ao trabalho – que acontecerão neste primeiro semestre. O ciclo conta com o apoio da Fundação Ford, Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa). Na edição sobre a participação política feminina também apoiaram a iniciativa o Instituto do Legislativo Brasileiro (Interlegis) e a Procuradoria Especial da Mulher no Senado Federal.
Já na abertura do evento, a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, ressaltou que as Nações Unidas colocaram como meta na última reunião da Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW), ocorrida em março deste ano em Nova York, a paridade na representação política de gênero em 2030. A plataforma denominada “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero” aborda os principais desafios para a conquista efetiva da equidade entre homens e mulheres no mundo. “O mundo não pode aceitar que metade da sua população tenha menos oportunidades que a outra”, frisou Nadine.
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O debate no parlamento
A procuradora da mulher no Senado Federal, Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), ressaltou que a proposta encampada pela Bancada Feminina no Congresso foi o caminho possível para garantir a unidade das parlamentares, tendo em vista que os 17 partidos com representação de mulheres no Congresso Nacional têm posições distintas sobre o processo e o conteúdo dos debates acerca da reforma política. “A cota de cadeiras cabe em qualquer sistema eleitoral. E já está demonstrada a pouca efetividade da cota atual (de candidaturas). Não adianta ter cota de candidaturas se os partidos não dão apoio às mulheres”.
A PEC 23/2015, apresentada por Grazziotin, aponta a exigência de que 30% das cadeiras nos parlamentos nacionais sejam ocupadas por mulheres já a partir das eleições de 2016 – para tanto é necessário que a propositura seja aprovada até 30 de setembro deste ano. Daí, progressivamente, a cada eleição seriam acrescidos 5 pontos percentuais à cota de mulheres até que seja atingida a paridade na composição das casas legislativas. Em conjunto com essa proposição, a Bancada Feminina defende também a aprovação da proposta de emenda constitucional apresentada pela senadora Marta Suplicy (PT/SP) (PEC 24/2015), que destina uma vaga para cada gênero quando da renovação de dois terços do Senado.
A deputada Érika Kokay (PT/DF) lembrou que, com o regime eleitoral em vigor, o poder econômico determina as eleições, excluindo as mulheres e colocando em risco a democracia representativa. “As mulheres estão compondo as nominatas para eleger os homens, pois os partidos as excluem da estrutura, do poder econômico e da TV”. A deputada também ressaltou que “só ser mulher não basta, é preciso ter identificação com o que significa a igualdade de gênero, que a libertação das mulheres é condição para uma cultura de paz”. E frisou que a sobrecarga enfrentada pelas mulheres com as tarefas domésticas e a desumanização cotidiana que 52% da população sofre, e que favorece a violência, também são produtos do contexto social sexista em que vivemos.
A necessidade de envolver a sociedade civil
A jornalista Tereza Cruvinel lembrou que apenas após a Constituinte de 1988 o Congresso Nacional atingiu o número de 26 mulheres parlamentares, e que demorou 25 anos para esse número dobrar. Tereza problematizou a possibilidade de a cota de lista levar ao questionamento da representatividade das eleitas, mas concordou com a deputada Érika Kokay que o atual sistema de eleição proporcional já instituiu a eleição de pessoas que têm menos votos que outras, sem nenhum questionamento social. Cruvinel ressaltou, no entanto, que “na Constituinte, todas as vitórias foram possíveis porque o povo brasileiro estava aqui (nas cotidianas mobilizações dentro do Congresso). Se não formos capazes de transformar essa indignação difusa e muitas vezes equivocada que vemos nas ruas em pressão, não vamos avançar”. A jornalista lembrou ainda que “o sistema de mídia reproduz muito da mitologia e da ideologia machista, e dá pouquíssimo espaço às questões de gênero”.
A importância das políticas públicas
O pesquisadora Luiz Felipe Miguel, coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades da UnB, frisou que “a incapacidade da política brasileira em dar passos à frente deve-se em grande medida às estruturas partidárias muito oligarquizadas e masculinizadas que temos”. O pesquisador disse ainda que são importantes as demandas pela redução do número total de candidaturas apresentadas pelos partidos, a garantia do acesso das mulheres aos meios de comunicação e o investimento financeiro nas campanhas femininas. “Mas para avançar na direção da distribuição equitativa da representação parlamentar temos que mudar o modelo de financiamento de campanhas”.
A secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Rosali Scalabrin, defendeu o fortalecimento da formação para mulheres candidatas e a articulação da sociedade civil com o poder público para a produção de materiais formativos.
Luiz Felipe destacou ainda que as políticas de formação às candidatas mulheres não podem ser só a mimetização do fazer político masculino para que elas reproduzam a mesma dinâmica atual. E mencionou também a importância de aliar a demanda pela inclusão de mais mulheres na política à mobilização de outros grupos marginalizados (as camadas sociais menos favorecidas, indígenas, negros, pessoas trans etc).
Formar as mulheres e empoderá-las para a disputa
Durante a mesa que debateu os desafios para a inclusão e permanência das mulheres na disputa eleitoral, todas as palestrantes também foram unânimes em apontar os bloqueios que as mulheres enfrentam dentro das estruturas partidárias para disputar representações nos espaços de poder.
Falta de informação sobre a legislação eleitoral e o funcionamento das máquinas de campanha, alijamento das decisões durante a campanha e desconhecimento sobre debates e decisões tomadas pelos dirigentes partidários e sobre as perspectivas pós-eleitorais, e a decorrente insegurança sobre as possibilidades de conduzir um mandato diante das dificuldades inerentes a esse lugar institucional foram alguns elementos destacados por Fátima Pacheco Jordão. Socióloga e especialista em pesquisas de opinião, Fátima já coordenou quase duas dezenas de campanhas políticas a cargos majoritários, dentre estas as de cinco mulheres.
A antropóloga Rachel Rua, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença da Universidade de São Paulo, apresentou dados de outro estudo realizado pelo Instituto Patrícia Galvão, uma pesquisa qualitativa com mulheres candidatas a vereadoras. A pesquisadora destacou que as mulheres são chamadas em cima da hora para serem candidatas a fim de cumprir a cota legal. “Elas sabem que entraram para cumprir tabela e que são tratadas pelo partido como figurantes no jogo eleitoral; mas verificamos também que havia expectativa de reverter essa situação.”.
Clara Araújo (coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) acrescentou como fatores determinantes à desigualdade de gênero na representação política os arranjos partidários. O domínio do poder econômico evidenciado pela forte associação entre eleição e custos de campanha, o fato de que os homens arrecadam mais e, em decorrência, a tendência das mulheres a terem maior dificuldade para se eleger e, em especial, para se reelegerem. “O instituto da reeleição é uma privatização do espaço público”.
A pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e socióloga Albertina Costa destacou que “os dados das pesquisas realizadas pelo Instituto Patrícia Galvão e os trazidos ao debate mostram que a sociedade brasileira está mais moderna e democratizada que o establishment político, que ainda rechaça mudanças, embora estas mudanças comprovadamente pudessem trazer resultados no desenvolvimento social”.
A diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, ressaltou no encerramento do evento que, “enquanto sociedade civil organizada, temos que travar uma luta forte com os partidos. No Brasil os partidos políticos são muito lentos, e nós discutimos muito o déficit de mulheres na política, mas incidimos muito pouco sobre os partidos, seja com ações concretas, seja nos espaços de opinião pública”. Nessa direção, Jacira enfatizou que é preciso interpelar os partidos para que promovam mudanças efetivas. “É preciso cobrar dessas instituições, bem como das centrais sindicais, que são também espaços muito importantes de formação e visibilidade para atuação na política institucional. Esse não é o único caminho, mas temos que percorrê-lo”, destacou Jacira Melo, falando também sobre a importância de dar continuidade aos debates travados no evento.
Carole Pateman: “Quanto vale a cidadania das mulheres?”Um dos pontos altos do evento foi a conferência da professora Carole Pateman. Premiada autora feminista e professora emérita na UCLA e honorária na Universidade Cardiff, no Reino Unido, Carole é reconhecida internacionalmente por seus estudos no campo da Teoria Democrática. Durante a conferência, a pesquisadora destacou vários índices sociais que reafirmam a desigualdade de gênero nos países pobres, em desenvolvimento e também nas nações ricas. Lembrou o recente caso da ex-ministra italiana do Interior, que em 2013 e 2014 foi diversas vezes agredida por membros do parlamento daquele país e nas redes sociais, chamada de “macaca”, ministra “de cor”, entre outros insultos. A médica ofalmologista congolesa agora integra o Parlamento Europeu. Em pleno século 21, “vimos episódios ultrajantes racistas e pela sua condição de mulher”, lembrou Pateman. A professora lembrou também o artigo lançado na década de 1990 pelo economista indiano e detentor do Prêmio Nobel, Amartya Sen, sob o título “100 milhões de mulheres faltando“. No ensaio o economista questiona o machismo existente em países asiáticos, onde o nascimento de filhos homens ainda é privilegiado pelas famílias, e que esse seria o déficit populacional feminino gerado por políticas de incentivo estatal à interrupção de gestações de meninas. Essa política vem se disseminando também em países do Leste Europeu. Pateman ressaltou que as vozes das mulheres “não são ouvidas com a mesma autoridade que a dos homens. Muito disso indica que não somos vistas como tendo o mesmo valor, até mesmo nos países ricos e ditos democráticos”. Os estupros como arma de guerra, as discriminações institucionais contra a educação e o direito ao trabalho, o tardio reconhecimento dos direitos humanos das mulheres também foram mencionados. “Quanto vale a cidadania das mulheres quando elas são deixadas para trás dessa forma?”. “E onde está a indignação popular frente a essa realidade? Nenhum estado de emergência foi declarado, nenhuma ‘guerra ao terror’ foi decretada frente à extensão da violência contra as mulheres. Isso é um indicador da falta de interesse pela situação delas”, alfinetou. Para Carole, será difícil melhorar os índices de representação feminina nos parlamentos enquanto não houver melhoria dos demais indicadores sociais que definem a participação de mulheres na vida pública, como garantia de educação, direito ao trabalho, oferta de creches etc. |