Feministas manifestam expectativas com reeleição de Dilma Rousseff

28 de outubro, 2014

(Agência Patrícia Galvão, 28/10/2014) Quando às 20h30 deste domingo (26) foi anunciada oficialmente a conquista de um segundo mandato pela presidenta Dilma Rousseff, ficou evidente que o próximo quadriênio trará desafios de grandes proporções. Ao mesmo tempo, também restou pacificado que 2014 foi o ano de um processo eleitoral histórico. A disputa presidencial, que contou pela primeira vez com três mulheres no 1º turno (que juntas receberam mais de 64% dos votos), foi também a mais acirrada da era da redemocratização e terminou com a inédita reeleição de uma mulher.

A Agência Patrícia Galvão conversou com feministas sobre o significado dos resultados nestas Eleições de 2014 e as tarefas que a realidade brasileira coloca para Dilma Vana Rousseff.

Significado histórico

Para a antropóloga Débora Diniz, “a reeleição da presidenta Dilma deve ser considerada um marco histórico no Brasil e na América Latina, porque representa a afirmação das mulheres no poder”.

É o que também pensa a socióloga Fátima Pacheco Jordão, que pontua que “a eleição de uma mulher no contexto da cultura política brasileira já foi uma conquista enorme. A reeleição duplica essa vitória. Até porque, no primeiro mandato, Dilma foi eleita em um contexto muito mais favorável ao PT em termos de prestígio, avaliação de governo e crescimento do PIB”.

Também para a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, “a conquista da reeleição pela presidenta Dilma é um acontecimento ímpar no Brasil. Mesmo sob o olhar crítico e pesado da imprensa nacional e internacional durante quatro longos anos, a presidenta manteve um bom índice de avaliação de governo em todo o período. Acredito que a imagem de ‘durona’ e ‘pouco flexível’, construída principalmente através da imprensa, contribuiu para uma percepção positiva do seu governo e da sua persona política”. Na avaliação de Jacira, a reeleição da primeira presidenta mulher do País já é história, “e aqui é preciso apontar o papel determinante do voto das mulheres, dos negros e dos jovens nestas eleições, como já apontavam as pesquisas eleitorais”.

Fátima destaca as políticas para as mulheres entre as questões que devem ganhar peso no segundo governo Dilma. “Ela mostrou força no primeiro mandato e obteve uma recompensa: pela primeira vez na história uma candidatura majoritária do PT recebeu mais votos de mulheres do que de homens. Isso é um sinal muito forte do quanto ela deve atentar à efetivação de políticas, à propagação de ideias em defesa de maior igualdade de gênero e ao fortalecimento desses instrumentos”, aponta.

Para a educadora Carmen Silva, coordenadora da organização SOS Corpo e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), “a reeleição da primeira mulher à Presidência dá indicativos para a sociedade de que não está fora das possibilidades no nosso País a ocupação de lugares de poder pelas mulheres. Sendo uma mulher que representa um campo de esquerda, isso ganha um reforço muito importante porque reafirma que, na defesa dos direitos sociais, é possível ter mulheres com uma força tão grande capazes de atingir o mais alto cargo do País”.

Um avanço civilizatório

Clair Castilhos, coordenadora da Rede Feminista de Saúde, considera que a reeleição de Dilma Rousseff traz uma mensagem “civilizatória”. “Do ponto de vista de o País passar a conviver com naturalidade com a ideia de que o poder pode ser exercido por homens e mulheres com o mesmo grau de competência, que as mulheres podem ter uma participação mais igualitária nesse campo tão importante que é a política, que até então era vedado a nós e que ainda nos é muito restrito”.

Coordenadora do projeto Promotoras Legais Populares, a pesquisadora Maria Amélia Teles destaca a história de “luta contra a opressão, discriminação, em defesa dos direitos humanos e da democracia” que marca a trajetória de Dilma como atestado da importância da reeleição da primeira brasileira ao governo central. “O fato de a sociedade brasileira ter escolhido Dilma novamente mostra que existe uma parcela expressiva que é contra a opressão às mulheres e às populações negra, LGBT e indígena. Foi a vitória da luta contra o preconceito, a discriminação, a violência de gênero. Uma vitória muito expressiva para a consolidação da democracia”.

Expectativas de mudança e de muito mais avanços

Jurema Werneck, médica e coordenadora da organização feminista negra Criola e da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), analisa que o segundo mandato de Dilma tem um aspecto de conquista, mas também de mais exigências sociais. “Ela não ganhou só pelos próprios méritos, mas também pelas qualidades negativas do oponente. Além disso, quem votou nela e quem não votou querem mais, querem mudança e dignidade. A responsabilidade dela é essa. Meu voto em Dilma foi um voto de recusa ao outro candidato, mas também um voto que exige dela que cumpra a trajetória em que o movimento social vem apostando já há 20 anos: o verdadeiro antirracismo, o verdadeiro anti-sexismo, uma verdadeira luta pelos direitos LGBT. É preciso romper com tudo o que tem de ruim na política, na aliança de governabilidade que a trouxe até aqui, e romper de verdade”. Para Jurema é preciso também mais proatividade em relação aos direitos das mulheres negras. “Ela ficou devendo muito e essa é uma segunda chance que damos para ela acertar e acertar mais”.

Coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres, a psicóloga Nalu Faria avalia que “prevaleceu a ideia de continuidade do projeto que a Dilma representa, mas com uma variante, que é justamente a necessidade de aprofundar algumas mudanças”.

A expectativa de Jacira Melo é de que a presidenta Dilma Rouseff “assuma integralmente o desafio de aprofundar e ampliar políticas de justiça social que possibilitem avançar no enfrentamento do preconceito, discriminação e marginalização das mulheres, negros, indígenas, lésbicas, gays e trans.” Na opinião de Jacira, “essas políticas devem estar articuladas a programas de desenvolvimento econômico, sociocultural e socioambiental do País, isto é, a partir de uma concepção contemporânea de igualdade e justiça social. E, nesse sentido, minha expectativa é que seu governo assuma uma posição inequívoca na defesa de avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos e para garantir o direito de toda mulher viver sem violência, expandindo políticas e reforçando dotação orçamentária para assegurar o acesso à justiça social para todos os segmentos da sociedade”.

Principais desafios

Entre os desafios apontados pelas especialistas no campo dos direitos das mulheres ganham destaque a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos e a aliança com a sociedade para fortalecer o debate sobre a reforma política. Entre as ações do governo nessa área, a política de enfrentamento à violência contra a mulher é avaliada como um avanço que precisa ser consolidado.

Débora Diniz destaca como expectativa “que a presidenta Dilma, no segundo mandato, consolide o seu compromisso com os direitos das mulheres e avance em questões que no primeiro mandato foram tímidas, como as relacionadas aos direitos reprodutivos e em particular ao aborto, e também em um dos seus principais compromisso de campanha, que são as Casas da Mulher Brasileira, um programa que toca diretamente nas questões relacionadas à violência”.

Fátima Pacheco Jordão destaca que o discurso de vitória de Dilma foi “muito realista”, evidenciando a necessidade de aumentar o diálogo com a sociedade. Para a socióloga, a votação majoritariamente feminina recebida por Dilma coloca também a necessidade de “repensar a Secretaria de Políticas para as Mulheres, dando a ela uma perspectiva muito mais dinâmica, mais forte e mais relacionada a todos os ministérios e maior capacidade de produzir informação e educação para a sociedade para influir, sobretudo, no duplo eixo central da comunicação e da cultura”.

“Nesse aspecto, devem ter destaque o debate sobre a imagem da mulher, a qualificação das vantagens da igualdade de gênero, a efetivação de garantias dessa igualdade, além da promoção de políticas. Não faz sentido, por exemplo, o Brasil reeleger uma mulher e manter os bloqueios à participação das mulheres no poder. A segunda questão fica no plano da Pedagogia, de políticas que difundam valores de igualdade de gênero”, opina Fátima.

Para fazer avançar a efetivação dos direitos das mulheres e a igualdade de gênero, a representante da AMB, Carmen Silva, elenca, entre os desafios postos para o segundo governo Dilma, além da reforma política como “elemento central”, a legalização do aborto, a garantia de autonomia econômica com proteção social aos direitos das mulheres, a efetivação de políticas “que permitam às mulheres combater a dupla jornada”, a ampliação das políticas de combate à violência contra a mulher – que “embora tenham avançado nos governos Lula e Dilma, ainda são insuficientes para de fato erradicar essa chaga”.

Carmen também destacou a necessidade de mudança no modelo de desenvolvimento que vem sendo promovido pelos governos petistas. “Frente à crise mundial que vivemos há o desafio enorme de sair da centralidade que tem sido dada ao crescimento econômico e se pensar também na perspectiva da justiça socioambiental. Este é um desafio que tem a ver com a política econômica em geral, mas também diz respeito às mulheres”.

O desafio de manter a governabilidade sem tantas concessões

Na opinião de Clair Castilhos, “tanto a presidenta como seu partido, o PT, para além da base aliada, precisam fazer uma profunda reflexão e autocrítica, com isenção, para começar a avaliar em que pontos deixaram de cumprir seu papel e seu compromisso real com o povo”. E aponta a questão ideológica como elemento central de avaliação. “O Partido dos Trabalhadores tem feito tantas concessões aos partidos da direita, pastores, padres, fundamentalistas e outros, para se manter no poder e garantir o que chamam de governabilidade, que fica difícil distinguir quem é desse ou daquele campo político”.

Essa realidade é que, na opinião da especialista, afastou o debate eleitoral da política e das propostas de cada um dos candidatos e o restringiu ao debate sobre a corrupção. “O que é muito pouco quando se pensa na construção de um projeto político popular, abrangente, inclusivo e avançado, que permita construir um país capaz de estar no terceiro milênio com todas as suas potencialidades desenvolvidas”. Clair ressalta tais pontos para concluir que, “do ponto de vista das mulheres, essas concessões foram desastrosas. Por exemplo, foram eleitos ou reeleitos 70 pastores. Isso significa que vão transformar o Congresso Nacional em um tribunal da Inquisição. E sobre as propostas para as mulheres, embora mais consolidadas no programa da presidenta Dilma, como a Lei Maria da Penha e as Casas da Mulher Brasileira, ainda estão sendo ameaçadas ou ignoradas questões como os direitos sexuais e reprodutivos”.

Amelinha avalia que “Dilma precisa investir mais nos programas de enfrentamento à violência de gênero, que contribui de forma enfática para que se mantenha a desigualdade entre homens e mulheres. É uma situação gritante. Esta precisa ser a principal bandeira, retomar toda a programação que foi feita para o governo anterior com bastante responsabilidade”. Para Amelinha também é necessário enfrentar a desigualdade no mercado de trabalho “e garantir medidas que promovam as mulheres de forma mais igualitária, para que não se possa justificar um salário menor que o pago aos homens”.

“Também temos a questão da creche para a família trabalhadora, para homens e mulheres, a creche como um direito da criança à educação. Isso é urgente. As creches precisam ser administradas por meio de políticas públicas que garantam uma educação laica, igualitária e que respeite todas as nossas diferenças. Ao receber esses valores logo ao nascer, a criança pequena pode dar mais esperanças de termos uma sociedade menos homofóbica, lesbofóbica e racista”, aponta Amelinha.

Reforma política e direitos das mulheres

Em relação à reforma política, destacada por Dilma em seu primeiro discurso após a confirmação da vitória, Débora Diniz avalia que, sendo o financiamento de campanha o principal tema desse debate, essa proposta tem importância direta em relação aos direitos das mulheres porque permite que “os partidos e candidatos possam ficar mais livres e independentes para a defesa de suas teses, e não tão dependentes dos financiadores de campanha”.

Já Fátima Jordão ressalta que essa é uma tarefa em relação à qual as organizações da sociedade civil e em particular de mulheres também têm papel fundamental. “O movimento feminista precisa entender que sua especificidade tem uma ressonância maior e ele tem que incidir sobre a questão da reforma política e da melhoria qualitativa e quantitativa de nossa representação, o acesso ao processo de representação, a disciplina dos partidos e a configuração do financiamento das campanhas. Dilma fez um gesto mais substantivo do que na primeira eleição, quando afirmou que governaria para as mulheres. Agora, apesar de não falar de políticas específicas, ela colocou nas mãos da sociedade, especialmente da parcela feminina, um instrumento poderoso para a questão de gênero, que é a reforma política”, avalia.

Para Nalu Faria, além da reforma política, o segundo governo Dilma terá a “necessidade de enfrentar o oligopólio dos meios de comunicação e promover uma democratização real desses meios”.

Jurema Werneck destaca ainda que “precisamos descobrir o caminho de uma aliança entre o governo federal e a sociedade que quer mudança, porque o Congresso não vai estar ao lado dela”.

No que diz respeito à reforma política, Carmen Silva destaca que o pronunciamento da presidente, logo após a proclamação dos resultados “é resultado de 10 anos de luta nos quais o movimento feminista, e particularmente a AMB, mas também vários movimentos sociais estiveram envolvidos”. Ela explica ainda que “a presidenta Dilma, que recebeu o resultado do plebiscito e as assinaturas à proposta de reforma política da Coalisão Democrática, reagiu se dando conta de que essa é uma necessidade muito grande”.

Contatos 

amelinha telesAmelinha Teles – coordenadora do projeto Promotoras Legais Populares da União de Mulheres de São Paulo
[email protected]
(11) 3283.4040
carmemsilva_amb_editCarmen Silva –  coordenadora da organização SOS Corpo e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)
[email protected]
(81) 3087.2086
clair-castilhos-coelhoClair Castilhos – coordenadora da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
[email protected]
(48) 3233.2516 / 3269.2460
Debora_Diniz12Débora Diniz – antropóloga e professora da UnB
[email protected]; [email protected]
(61) 3343.1731
FatimaPJordao-sorrindo_LucianaAraujo_1080Fátima Pacheco Jordão – socióloga especialista em pesquisas de opinião
[email protected]
(11) 96063.5445 / 3824.0695
DSC00595Jacira Melo – diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão
[email protected]
(11)3262-2452
jurema-werneckJurema Werneck – coordenadora da organização feminista negra Criola
[email protected]
(21) 2518.7964/ 2518.6194
nalu faria_editNalu Faria – coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres
[email protected]
(11)3819.3876

 Atualizada em 29/10/2014 às 16h21.

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