(El País, 23/09/2014) Pela primeira vez em uma eleição para a presidência no Brasil duas mulheres aparecem emboladas na disputa pelo primeiro turno. Desde que sua candidatura foi lançada, após a morte de Eduardo Campos, Marina Silva (PSB) disputa, em pé de igualdade, a preferência dos votos com a presidenta Dilma Rousseff (PT). Outra mulher também está entre os candidatos, Luciana Genro (PSOL), porém com menos chances de chegar ao segundo turno, segundo as pesquisas eleitorais.
Com uma representação feminina deste porte, seria natural esperar que questões de interesse das mulheres estivessem na agenda do debate eleitoral. Mas na prática, isso não acontece. Uma pesquisa de 2012, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em parceira com o Data Popular e SOS Corpo, revelou que serviços de saúde mais eficientes (97%), transporte público mais eficiente (88%) e escolas em tempo integral para os filhos (83%) eram as três maiores demandas das mulheres para as próximas eleições. Hoje, porém, essas questões são tratadas de maneira genérica.
Dos 142,4 milhões de eleitores que devem votar nas eleições deste ano, 52% são mulheres. Neste ano também, o número de mulheres que disputam algum cargo nas eleições quase dobrou em relação ao pleito de 2010: 46% a mais de candidatas. Além disso, há mais de dez anos as mulheres representam a maioria da população brasileira, 51%, segundo o IBGE.
Mas os números provam que pouco adianta ser maioria em um país em a maioria tem menos poder. No âmbito econômico, a diferença entre os salários pagos para homens e mulheres só aumenta. Segundo o IBGE, em 2009, os homens recebiam 24% a mais do que as mulheres. Em 2010, 25% a mais e, em 2012, a diferença subiu para 25,7%. Já na esfera social, entre 1980 e 2010, 92.000 mulheres foram assassinadas, sendo que 43.700 só na última década, um aumento de 230%.
A candidata do PSOL, Luciana Genro, é a única que fala abertamente sobre questões como o aborto. Seu programa de governo tem um tópico inteiro para tratar de questões relacionadas às mulheres, dividido em dez subtópicos: combate à violência contra a mulher, aumento da oferta de vagas na educação infantil, legalização do aborto, em defesa do parto humanizado, pela equidade salarial, aumento do tempo de licença-maternidade e paternidade, por uma reforma política que fortaleça a participação feminina, por uma educação não-sexista, mulheres negras e combate à lesbofobia e transfobia.
Mesmo assim, Genro de longe não é a candidata mais feminista do país. Sua marca está muito mais no debate econômico do que de gênero.
A presidenta Dilma Rousseff (PT) e sua rival Marina Silva (PSB) pouco tocam em assuntos de interesse da mulher. No chamado programa de governo de Rousseff – o PT ainda não entregou o seu programa de governo completo – o texto se refere à Casa da Mulher Brasileira como algo decisivo para combater a violência e promover a igualdade entre as mulheres. Em 42 páginas, essa é a única menção às mulheres no programa de Rousseff.
Já no programa de governo de Marina Silva, há um capítulo específico para as mulheres, que trata de propostas como a “criação de um Fundo de Políticas Públicas para as Mulheres” e “apoiar a formalização do trabalho feminino”, e outras propostas mais vagas, como “estimular a criação de creches em todo o país”, algo que, sem números, fica difícil mensurar.
Embora o gênero tenha sido pouco explorado para discutir propostas, as candidatas não deixam de usar da condição de ser mulheres quando lhes convém. Marina Silva chegou a dizer que “não vai agredir outra mulher”, quando começou a ser alvo de ataques de Dilma Rousseff. A presidenta, por sua vez, já se defendeu das críticas que fazem ao seu jeito autoritário, rebatendo que “só porque é mulher”, deveria ser doce. E que se fosse um homem ninguém a questionaria nesse sentido.
Por Marina Rossi
Acesse no site de origem: Mulheres no Brasil, uma maioria que não é representada (El País, 23/09/2014)