Para feministas, comissão da mulher é retrocesso e volta ao tempo dos coronéis

29 de abril, 2016

(UOL, 29/04/2016) Os direitos das mulheres estão sob ameaça no Brasil. É o que dizem especialistas ligadas às questões de gênero. Medidas conservadoras e manobras realizadas dentro do Congresso Nacional, como acriação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher — instituída na madrugada da quinta-feira (28), sob protestos das parlamentares, depois de a primeira votação ter sido contrária à sua criação–, seriam sinais claros da tentativa de retrocesso nos avanços dos direitos humanos conquistados ao longo de décadas.

Para a escritora e filósofa Márcia Tiburi, a forma como a comissão foi aprovada é uma demonstração clara de que parte dos deputados brasileiros ainda vive “na época dos coronéis”. “É evidente que essa manobra na criação dessa comissão só demonstra que esses deputados machistas ainda vivem na época dos coronéis, como se a população, as mulheres, fossem continuar aceitando políticas de coronéis sobre seus corpos”, afirma a filósofa, integrante do movimento Partida, que busca debater e ampliar a participação de mulheres em cargos no Executivo e no Legislativo.

Segundo ela, a comissão já começa errada ao não ter sido endossada pela bancada feminina da Câmara. Ela também questiona as motivações de sua criação que, segundo ela, estariam mais ligadas a necessidades de partidos manterem cargos do governo do que a defesa dos direitos das mulheres em si. “O ideal é que uma comissão da mulher seja criada por mulheres e que as necessidades, as demandas e as reivindicações das mulheres sejam contempladas”, afirma.

A cientista política e criadora da hashtag agoraéquesãoelas Manoela Miklos acrescenta que o grupo responsável por essa manobra seria o mesmo que protagoniza, no Congresso, debates sobre pena de prisão para professores que discutirem questões de gênero nas escolas e que o risco desse discurso conservador não se restringe apenas aos direitos das mulheres. “Eduardo Cunha e seus aliados estão movendo o centro do debate público para a direita. Estamos diante da possibilidade concreta de retrocesso na agenda de direitos humanos”, afirma.

Segundo a professora e ensaísta Heloísa Buarque de Hollanda, apesar de essa “onda conservadora tsunâmica” está sendo encabeçada por um grupo de parlamentares, ela tem como figura emblemática o próprio o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não apenas pela posição de destaque que ele possui na Casa. “Ele é um dos que mais explicita, o que fala mais alto contra os direitos das mulheres. Ele representa muitos dos segmentos que antes não colocavam essas ideias para fora”, afirma.

Para que não haja retrocessos, as mulheres precisam “sair gritando, até serem ouvidas”, afirma Hollanda, que caracterizou a atitude das deputadas federais contrárias à criação da Comissão como “perfeita”. A bancada feminina conseguiu interromper a sessão por algumas horas ao ocupar a tribuna da Câmara em protesto à manobra. A deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) chegou a sentar na cadeira do presidente da Casa. “Precisamos batalhar pelos nossos direitos, para que aumente o número de mulheres no Congresso Nacional”, disse.

Manoela Miklos defende que essa luta precisa ser “online e offline”. “Nas redes e nas ruas. No lar e na Esplanada. Como sempre e com força redobrada para evitar o retrocesso que vemos no horizonte”, diz.

Ela afirma ainda que não haveria necessidade da criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, pois as discussões sobre direitos da mulher devem acontecer na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. “Não existe razão para enfraquecer esse espaço e criar um outro. Devemos fortalecer esse espaço e garantir que o debate que acontece dentro dele nos contemple, a nós mulheres. Qualquer outro espaço criado neste momento, por este grupo, não será criado para defender os direitos da mulher, mas para negá-los”, afirma.

Paula Bianchi e Mirthyani Bezerra

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