(Agência Patrícia Galvão, 18/09/2014) Nesta segunda edição da série de análises Gênero e Raça nas Eleições Presidenciais 2014: A força do voto de mulheres e negros, a socióloga e especialista em pesquisa de opinião Fátima Pacheco Jordão destaca algumas tendências apontadas pelas últimas pesquisas de intenção de voto divulgadas pelo Ibope em relação ao comportamento dos eleitores quando considerados os recortes de sexo e raça/cor.
Indicadores permitem apontar consolidação de tendências
Falando das próximas semanas até o final da campanha no primeiro turno, vemos alguns indicadores que permitem apontar uma tendência. Por exemplo, há fatos positivos para a candidata Dilma, como a melhora das taxas de avaliação de governo e das expectativas em relação à percepção do futuro pelos eleitores, que são menos negativas do que a mídia retrata. Como tendência, acredito que Dilma e Marina vão ao segundo turno, não mais em situação de empate, mas com alguma vantagem na intenção de votos para Dilma.
No geral, verifica-se também que as estratégias de ataques a Marina não atingiram o objetivo de desgastá-la. A candidata do PSB segue estável, embora duplamente questionada, por Dilma e por Aécio.
A saída de Aécio do cenário de declínio e seu crescimento na mesma proporção da perda de Dilma parecem ter sido favorecidos pelo tema ‘Petrobras’, que aparentemente começa a influenciar os eleitores”, aponta.
O voto das mulheres
As perguntas abertas ou de declaração espontânea mostram que 32% das mulheres ainda não definiram em quem vão votar, um patamar 8 pontos percentuais acima da parcela masculina do eleitorado que ainda está indefinida. Os dados evidenciam que as mulheres vão definir esta eleição.
As eleitoras mantêm o padrão histórico de uma taxa menor de definição, que vai seguir até o último momento, porque são mais críticas na escolha de candidatos, estão menos envolvidas nos aspectos gerais da economia e da política e mais com as questões da vida cotidiana. Além disso, as campanhas não abordam temas que interessam às mulheres. Os temas relevantes para as mulheres, assim como para os negros, também não são tratados na mídia cotidiana e não têm reflexo nas campanhas. Não se debate, por exemplo, como a deficiência de infraestrutura urbana impacta na violência contra as mulheres e no seu direito à autonomia econômica. Portanto, é natural que as mulheres se sintam menos interessadas por uma campanha que não aborde políticas que impactam seu cotidiano, que não fale sobre os serviços prestados pelo governo e pelo Estado.
O voto dos negros
Os negros estão alinhados com o conjunto da população na definição de intenção de voto e demonstram posição firme em relação a suas escolhas.As pesquisas mostram Dilma em destaque e estável neste segmento.Penso que esta opção pela continuidade tem relação com o reconhecimento de políticas públicas desenvolvidas pelo governo petista como, por exemplo, as cotas e o reconhecimento da desigualdade racial, importantes demandas desse segmento.
Já entre os eleitores brancos, observa-se um desgaste de Marina e uma transferência de votos para Aécio, que cresce nesse segmento, que tende a ser mais escolarizado e com maior renda. Aqui acontece a mudança em relação à amostra geral e aos negros, já estando Aécio empatado estatisticamente com Marina.
Indecisão e indefinição não significam desinteresse
As pesquisas eleitorais têm uma falha muito grande que é o fato de pularem estágios de declaração de intenção de voto. Com isso, o voto indefinido não é totalmente qualificado, as pesquisas apontam sempre um número maior de indecisos do que efetivamente existe. Se pegarmos, por exemplo, o período anterior à entrada de Marina na disputa, falava-se que essa indefinição tinha a ver com o desinteresse pela eleição. Mas na hora em que ela entrou, captou boa parte desse segmento. Ou seja, na verdade, indecisão ou indefinição não é sempre alienação, mas espera para decidir.
Ausência da variável raça/cor em pesquisas reflete perspectiva retrógrada
A não inclusão da variável raça/cor não é apenas um problema enorme, mas aponta uma perspectiva retrógrada e atrasada. O fato de a maioria das pesquisas não trazerem essa variável permanentemente reflete a visão das elites, que não se importam com a questão ou tentam ocultá-la. Os clientes dos institutos de pesquisa não pedem esse dado, os jornalistas na maioria das vezes não cobram e a academia hesita diante do tema. E os institutos refletem a demanda que lhes chega e acabam também não enfatizando a importância desse dado.
As análises da mídia fazem uma caricatura da escolha do eleitorado
Entre os homens, Dilma e Marina estão estáveis e mantêm empate técnico. Esses dados confirmam a importância de um olhar atento dos candidatos para o comportamento das mulheres. São elas que estão se movimentando e, ao que tudo indica, definirão o processo.
A divulgação das pesquisas não aprofunda a discussão sobre as variáveis de gênero e raça e faz, em geral, uma análise precária, focada na corrida eleitoral, sem examinar dados que às vezes até estão disponíveis, como o voto espontâneo, voto provável, voto consolidado etc. Ou seja, os indicadores são tratados como uma espécie de caricatura da escolha do eleitor ou da eleitora. E isso é mais grave no caso das eleitoras pelo fato de elas definirem o voto depois, pois reforça estereótipos de gênero. Como uma sociedade na qual as mulheres são vistas como mais afastadas da política tem uma eleição presidencial com duas mulheres se encaminhando para um 2º turno?
A sociedade está mais conservadora em relação a temas polêmicos
Chamo atenção com força para duas pesquisas divulgadas recentemente, a última Datafolha e a última Ipsos, que mostram um crescimento do conservadorismo na sociedade brasileira nos temas de direitos civis e costumes. O contexto para questões polêmicas ficou mais regressivo. Vista num contexto mais amplo, a sociedade está mais conservadora.
É possível ter várias explicações para isso. Primeiramente, houve uma mudança importante no movimento de estratos sociais nos últimos dez anos. As pessoas melhoraram seu poder aquisitivo e, por isso, têm medo de retrocessos, de polêmicas, de mexer numa superfície que, vamos dizer assim, está calma. É natural que tenham se tornado mais conservadoras, até pelo fato de terem mais acesso ao mercado de consumo, que é o mecanismo mais indutor do conservadorismo do que qualquer outro.
Por outro lado, há outro aspecto importante que é a questão religiosa. Houve uma enorme ampliação da comunicação dos setores religiosos mais conservadores na televisão, quer em emissoras licenciadas para isso ou em espaços alugados. Foi um monumental crescimento, muito fora dos padrões, e que não foi objeto de crítica, exceto por alguns poucos setores que atuam pela democratização da comunicação.
Mas há um progresso da demanda por cidadania
Um fator de progresso, do outro lado, é o do mercado de trabalho. Hoje temos 70% da mão de obra formalizada e isso significa o indivíduo se enquadrar a regras mais estabelecidas e que revelam mais diretamente impostos embutidos. Abre-se para a cidadania a perspectiva de valores, não apenas de consumidor, mas também de contribuinte. Isso muda o foco do debate eleitoral. O debate da corrupção, por exemplo, não é mais um problema apenas moral ou ético, é uma preocupação do contribuinte, que cobra serviços dos governos. Com isso surgem conceitos geniais como a “saúde padrão Fifa”, criado nas manifestações do ano passado. O cidadão não quer só mais hospitais, médicos, escolas. Claro que isso é necessário, mas ele está percebendo que está pagando por uma qualidade que não está recebendo. Há uma contradição entre o que foi conquistado através do mercado de consumo e aquilo que não foi conquistado pela atuação do Estado. É uma consciência de demanda por cidadania que vem por camadas. O cidadão saiu da ditadura brigando pelo direito de votar, depois brigou pela possibilidade de comprar e agora está brigando para transformar o que paga de impostos em serviços efetivos.
Veja os dados na íntegra: Acirramento da disputa: Impacto sobre a intenção de voto de mulheres e negros