Indicadores ‘gritam’ sobre invisibilidade desse grupo
Boa parte do mundo está sendo percorrida por um movimento de grandes proporções e que tornou visível um enorme problema: a discriminação das mulheres. Trata-se de um movimento essencialmente urbano que, entretanto, também se apresenta nos territórios rurais, onde as mulheres estão em dupla desvantagem: diante dos homens que vivem no campo e das mulheres urbanas. Não cabe só aos governos reduzir essas brechas, mas também à sociedade civil.
(Folha de S.Paulo, 15/10/2018 – acesse no site de origem)
Uma parte constitutiva das relações de gênero no campo está refletida em frases como “ela ajuda nas tarefas de campo” ou “ela não tem responsabilidades econômicas”, que confirmam a ausência generalizada, no meio rural, de reconhecimento ao trabalho realizado pelas mulheres.
Essa realidade se opõe a outra: as mulheres rurais não só cumprem um papel fundamental nos lares, mas também têm peso elevado nas tarefas produtivas. Quer dizer, são corresponsáveis pelo desenvolvimento produtivo e garantem a estabilidade e sobrevivência de suas famílias.
Mesmo com os progressos recentes de empoderamento das mulheres e a atenção ao tema da igualdade de gênero, no meio rural elas continuam a ser as principais encarregadas dos cuidados com os filhos e a casa, de preparar as refeições e de conseguir a lenha e a água. O trabalho doméstico é considerado “natural e obrigatório”.
Cerca de 40% das mulheres que vivem no campo na América Latina e no Caribe não têm renda própria, ao passo que só 14% dos homens rurais estão nessa situação. Além disso, menos de um terço das mulheres rurais possui a titularidade da terra onde vive.
Os indicadores, os testemunhos e as experiências de campo “gritam” sobre a invisibilidade da mulher rural. Mudar essa realidade requer a formação de uma grande coalizão social transformadora, que estimule a adoção de políticas públicas sólidas e de longo prazo para beneficiar as mulheres rurais e que exiba uma vontade decisiva de neutralizar a discriminação. Essa seria a melhor homenagem possível neste Dia Internacional das Mulheres Rurais, instituído há 11 anos pela ONU.
No centro dessas políticas inovadoras e efetivas deve estar a criação de incentivos para as mulheres desenvolverem novas ideias em seus lugares de origem.
Também deve estar presente o enfrentamento da carência de serviços oferecidos, um fator que promove a migração da população rural –o apego ao lugar depende diretamente das mulheres.
Uma das obrigações das democracias modernas é a criação de mais e novos espaços para que as camadas discriminadas da população deixem de sofrer discriminação.
Uma maneira de cumprir essa obrigação é acender os refletores sobre essas questões –o passo inicial da transformação.
Manuel Otero, diretor-geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (Iica)