(HuffPost Brasil, 06/04/2016) Em um país de cultura predominantemente machista, é difícil acreditar que o tratamento dado a uma mulher no campo da política seja equivalente a abordagem que um homem recebe. A participação das mulheres tem crescido, porém, a passos curtos. E isso tem refletido na forma que a sociedade e imprensa julga e avalia episódios da política nacional.
Os movimentos feministas contemporâneos têm ganhado força nos partidos políticos, na mídia, na internet e nos almoços dominicais como uma questão política importante. Porém, nas últimas semanas ficou evidente como tem sido disputado por interesses particulares de indivíduos ou organizações.
Para compreendermos este assunto é preciso recorrer a dois exemplos recentes: a campanha #IstoéMachismo e os comentários e cobertura em torno do discurso da advogada Janaína Paschoal.
No último final de semana a revista IstoÉ apresentou uma reportagem de capa em que relata que a presidente Dilma Rousseff “está fora de si” e com “problemas emocionais”.
O objetivo da revista é claro: retratá-la como louca e desmerecê-la pessoal e profissionalmente. Essa é uma prática recorrente na nossa sociedade, afinal, qual mulher não foi chamada de louca e teve sua sanidade questionada?
Porém, na atual conjuntura política, é possível observar como o machismo é usado como estratégia política, afinal, há uma tentativa de convencer a população de que Dilma não está apta para governar o país por ser pouco confiável e apresentar problemas psicológicos. Em resposta, coletivos, partidos, militantes e ativistas feministas mobilizaram-se em torno da hashtag #IstoéMachismo para denunciar a atitude da revista.
Dilma deve e pode ser questionada, porém, não apresenta motivos para que suas faculdades mentais também sejam. O mesmo vale para a jurista Janaína Paschoal, que após um discurso inflamado no Largo São Francisco durante um ato pró-impeachment passou a ser retratada como louca e desequilibrada pelos mesmos portais de notícias que anteriormente denunciaram o machismo da revista IstoÉ.
Janaína fez um discurso repleto de figuras de linguagem, com muito vigor,energia e emoção, rodou uma bandeira do Brasil e elevou a voz, semelhante ao que muitos políticos fazem. O seu discurso é um prato cheio para críticas e colocações contrárias, afinal, não apresenta argumentos, mas tudo o que seus opositores conseguiram fazer foi chamá-la de louca e desequilibrada.
A questão central não é se Janaína pode ou não pode ser criticada, mas sim como ela tem sido cobrada por seu discurso. Chamá-la de louca não pode ser a única via possível de argumentação. Se apontamos que o machismo é estrutural e atinge a todas as mulheres, mesmo que em níveis e características diferentes, porque não incluiríamos Janaína nesse guarda-chuva? A plasticidade do machismo é a principal barreira na busca de uma sociedade mais igualitária para mulheres, pois ele se molda de acordo com cada situação e de maneiras subjetivas.
O machismo não é apenas uma estrutura de poder de homens contra mulheres, mas um sistema de poder sobre corpos, desejos e subjetividades. Afinal, ele é visto como um local de poder, como um espaço de dominação através do qual a docilidade é executada e a subjetividade construída.
E quando falo de poder, não me refiro única e exclusivamente ao poder vertical do Estado. Enfatizo aqui o papel crucial do discurso e sua capacidade de produzir e sustentar formas de dominação. Janaína, no vídeo que circula pelas redes socais, está distante do que a sociedade entende como uma “mulher normal”, que é dócil, amável, que não levanta a voz e está numa posição de subjugação.
Quando a primeira reação sobre o discurso político de uma mulher é chama-la de louca, percebemos quais são os desafios para a resistência dos grupos marginalizados. Esta postura revela como ainda temos privilegiado a experiência da elite masculinaem suas concepções de verdade, liberdade e natureza humana.
O discurso de Janaína pode ser perigoso e repleto de ódio, mas o tratamento que ela recebe por ser mulher também se torna perigoso para todas nós.Afinal, você pode ser chamada de louca na próxima vez que discordar de seu amigo numa discussão política.
A individualização das questões políticas, éticas, sociais não deve estar centrada em libertar indivíduos, seja ele Dilma ou Janaína, mas nos liberarmos tanto do Estado quanto do tipo de individualização que a ele se liga.
Acesse no site de origem: Por que chamar Dilma e Janaína de ‘loucas’ é um retrocesso para as mulheres, por Aline Ramos (HuffPost Brasil, 06/04/2016)