(Senado Federal, 27/08/2015) Vinte e seis de agosto é a data em que diversas sociedades celebram o Dia Internacional da Igualdade Feminina. Na mesma data, os revolucionários franceses publicaram, em 1789, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, que até hoje jaz no cerne de todas as modernas constituições do Ocidente.
Na França revolucionária de então, o desejo irrefreável de liberdade, igualdade e fraternidade do Terceiro Estado não redundou na justiça entre gêneros, e por dois séculos mais, gerações de mulheres se viram na contingência de suportar as iniquidades de um mundo organizado de homem para homem, ou seja, um mundo feito pelos homens e para os homens.
Eis porque, enquanto a esfera pública, política, manteve-se no âmbito exclusivamente masculino, às mulheres restou o mudo degredo da vida privada; o silente cuidado com o lar e com as exigências da prole. Naturalizada a subserviência da condição feminina, ideias de conteúdo sutilmente discriminatório reforçaram a concepção atrasada da superioridade masculina, como quando diziam: “o mundo é a casa do homem, a casa é o mundo da mulher” ou “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”.
A lenta maturação da consciência humana, por conta de um debate ininterrupto entre os cidadãos do presente e as gerações que nos precedem, acabou por plasmar uma nova consciência acerca do papel da nova mulher, em um mundo ainda por se construir. Como em todo processo dialógico e dialético, notamos a disparidade de opiniões e de vontades, regressistas e progressistas, bem como a intercorrência de previsíveis retrocessos, por vezes manifestados na exacerbação da violência endereçada a esta nova mulher. Não há transição fácil, no que tange aos costumes e à cultura, porém é notável a relevância das transformações experimentadas pelos brasileiros e pela maioria dos cidadãos em todos os Continentes.
No plano da narrativa por imagens e sons das últimas décadas, poderíamos evocar um sem-número de marcos ilustrativos da referida transição histórica em termos democráticos. Ao longo deste breve pronunciamento, contudo, deixaremos a encargo de cada ouvinte a evocação de algum acontecimento, no plano familiar, afetivo, laboral, nacional ou mundial, que revele os progressos emancipatórios que hoje fruímos.
Mas ao registrar a data da igualdade feminina, devemos lembrar que a vida ainda é muito dura para um incontável número de mulheres, que todos os dias padecem da violência cega e covarde de seus pseudocompanheiros, ou tombam esgotadas, em decorrência da brutalidade animalesca do feminicídio.
Muitas vezes nosso horizonte é tão focado no cotidiano que sequer cogitamos o quanto melhor tudo poderia ser. E nesses casos é essencial olhar para as exceções e nelas encontrar o melhor caminho a ser seguido. Às vezes é preciso olhar para o amor para estancar a dor e é exatamente esse exercício que proponho que façamos nesse momento.
Permitimo-nos, só por agora, desejar e antever um cintilante mundo possível, fraterno e livre, em que mulheres e homens tenham o benefício da igualdade. Sim, a igualdade não é uma conquista só para as mulheres, mas como muito bem colocou a famosa atriz inglesa e também embaixadora da ONU Mulheres, Emma Watson, em discurso proferido em 21 de setembro de 2014 em um evento da Organização das Nações Unidas para o lançamento da campanha HeForShe, em Nova York, os homens também não têm o benefício da igualdade. Também os homens estão sendo aprisionados pelos estereótipos de gênero e quando eles estiverem livres, as coisas mudarão para as mulheres como consequência natural. Se homens não têm que ser agressivos, mulheres não serão obrigadas a serem submissas. Se homens não têm a necessidade de controlar, mulheres não precisarão ser controladas. Tanto homens quanto mulheres deveriam ser livres para serem sensíveis. Tanto homens como mulheres deveriam ser livres para serem fortes.
E assim como Emma Watson, também desejo que esse futuro possível nos reserve um mundo em que homens e mulheres enfrentem a realidade e o transcorrer do tempo com união e igualdade.
Vanessa Grazziotin
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