Iniciativa do ministério já está em andamento pela Procuradoria da Mulher na Câmara. Ações de Damares são vistas como tentativa de crescimento da bancada evangélica em municípios.
(HuffPost Brasil, 26/08/2019 – acesse no site de origem)
De olho nas eleições de 2020, o ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos irá começar, neste segundo semestre, uma campanha para incentivar candidaturas femininas. A meta é eleger ao menos uma vereadora por município. Hoje, um quarto das câmaras municipais são exclusivas de homens, de acordo com pesquisa do Instituto Alziras com dados da Justiça Eleitoral. Do total de vereadores eleitos em 2016, apenas 13,5% são mulheres.
Apesar de a campanha ainda não ter sido lançada, a ministra Damares Alves já iniciou a movimentação que consiste em conversas com partidos, sindicatos e igrejas. Em evento da Assembleia de Deus em Feira de Santana (BA), no último dia 17 de agosto, ela pediu a líderes religiosos que estimulem a participação das mulheres na disputa eleitoral.
Conhecida por lançar nomes na política como o de João Campos (Republicanos-GO), ex-presidente da bancada evangélica na Câmara dos Deputados e de Eduardo Cunha (MDB-RJ), ex-presidente da Casa, a denominação não permite que mulheres sejam pastoras.
Apesar de ser propositiva à participação de mulheres na política, existem ressalvas de algumas lideranças femininas de que a iniciativa tenha como objetivo ampliar as bancadas evangélicas nos municípios.
A intenção é de que a campanha promova a ideia de que “qualquer mulher pode chegar ao poder” e que a ministra sirva de exemplo de trajetória. Antes de integrar o primeiro escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro, Damares era assessora legislativa do então senador Magno Malta (PR-ES).
Procuradoria da Mulher já lançou o mesmo projeto
Com a eleição de ao menos uma mulher por câmara municipal, a intenção da ex-pastora é ampliar a criação de procuradorias da mulher no Legislativo. O órgão serve para promover a participação feminina na política receber denúncias de violência doméstica, repassadas aos órgãos competentes.
A mesma iniciativa proposta por Damares, contudo, já está em curso pela Procuradoria da Mulher na Câmara dos Deputados. Campanha do Ministério dos Direitos Humanos não foi articulada com a bancada feminina nem com o Fórum de Mulheres nos Partidos.
“Acredito que ela tem ótimas intenções, mas essa é uma competência da nossa procuradoria” – Iracema Portella, procuradora da Mulher na Câmara.
Ao ser informada da proposta pela reportagem, a procuradora da Mulher na Câmara, deputada Iracema Portella (PP-PI), solicitou uma reunião com a ministra.
“Pedi uma audiência para estreitar os laços, trabalhar em conjunto, que isso é o ideal. Sei que o ministério tem muitas competências e não dá para ela realizar tudo que deseja porque requer tempo e não tem condição de fazer logo tudo que você quer”, disse ao HuffPost Brasil. “Acredito que ela [Damares] tem ótimas intenções, mas essa [criar procuradorias das mulheres] é uma competência da nossa procuradoria”, concluiu.
O projeto Procuradoria da Mulher Itinerante tem dado assistência àsassembléias legislativas e câmara municipais para criação dos órgãos locais. Foi produzida uma cartilha e no próximo dia 27 de agosto será lançado um curso online. O cronograma vai até o fim de 2020.
Neste mês, Portella irá ao Amapá para ajudar a implementar a procuradoria da mulher na assembléia legislativa do estado e na câmara da capital, Macapá. Em setembro, será a vez de Alagoas. A agenda até o fim do ano inclui Bahia, Goiás, Pernambuco, Piauí, Santa Catarina e Acre.
De acordo com levantamento da procuradoria ligada à bancada feminina, apenas 9 assembleias estaduais, além da Câmara Legislativa do Distrito Federal, contam com essa estrutura. No âmbito municipal, em 41 municípios existe o órgão ou uma proposta em tramitação para criá-lo.
A orientação da Procuradoria da Mulher na Câmara é de no caso de haver poucas ou nenhuma mulher parlamentar eleita no município, duas ou mais localidades se juntem para criar uma procuradoria regional da mulher. Também é possível que o regimento do órgão legislativo preveja que o cargo seja ocupado por servidoras.
As procuradorias funcionam como um mecanismo importante no combate à violência doméstica. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres no Brasil. O Mapa da Violência de 2015 aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher.
Cotas para aumentar o número de mulheres na política
A campanha de Damares tira o foco da estratégia de implementação de cotas para promover a participação das mulheres na política, que tem provocado desconforto entre caciques partidários. Em julho, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados quase aprovou o PL 2996/2019, que acaba com a obrigatoriedade de 30% de candidaturas femininas.
Caso a alteração fosse feita, também cairia a obrigação de destinar 30% do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas. Essa previsão, decidida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, é apontada como principal motivo para o crescimento da bancada feminina na Câmara, que chegou ao maior patamar histórico, com 77 integrantes. Ainda assim, elas representam apenas 15% dos deputados.
Diante da possibilidade de retrocesso, integrantes dos órgãos partidários de mulheres pressionaram os líderes no Congresso para evitar o fim das cotas conquistadas.
Em outra frente, a bancada feminina tenta votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 134/2016, que estabelece uma reserva de cadeiras no Legislativo para mulheres. Ainda não há previsão de quando o texto será analisado pelo plenário da Casa.
″As cotas são importantíssimas. É uma conjunção de fatores para que a gente aumente cada vez mais a participação as mulheres na política. Acredito que é um caminho sem volta. Ainda que os homens não queiram, isso já está acontecendo”, apontou Portella, que é uma das vice-presidentes do PP, partido comandado por seu marido, o senador Ciro Nogueira (PP-PI).
Na visão da deputada, cabe às estruturas partidárias se adaptarem às mudanças legais. “Lei foi feita para cumprida. Eles não querem, mas têm obrigação. O Fundo Eleitoral foi primordial para que nós aumentássemos de 10% para 15% a bancada feminina”, completou.
Apesar de ser obrigatória desde 2009, a cota de 30% de candidaturas foi cumprida pela primeira vez em 2018. Quanto à reserva do Fundo Eleitoral, se forem consideradas apenas as disputas por cargos proporcionais (deputada estadual, distrital, federal e vereadora), foi cumprida por apenas 13 dos 34 partidos (38%), segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Há uma pressão de lideranças femininas partidárias para que o TSE regulamente a distribuição dos recursos. Para a coordenadora do Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos, Miguelina Vecchio, os 30% do Fundo Eleitoral devem ser restritos a candidaturas femininas para proporcionais. O dinheiro gasto com mulheres nas disputas majoritárias (prefeita, governadora, senadora e presidente) seriam extra.
Vecchio também defende que o controle das escolhas eleitorais dentro das siglas seja feita por mulheres no caso de candidaturas femininas. “Não adianta nada ter 50% e quem escolhe as mulheres são os homens”, disse a vice-presidente do PDT.
Quanto à campanha de Damares, a coordenadora do Fórum afirmou que “qualquer iniciativa que aumente a participação das mulheres na políticas é boa”.
Questionada sobre a possibilidade de haver uma motivação de aumento da bancada evangélica nos legislativos locais, Vecchio criticou a interferência religiosa no debate público.
“Nem todas as mulheres evangélicas são reacionárias. Eu acho que não deve misturar política com religião. Deve professar sua fé de uma forma individual. Politizar a fé é muito desagradável”, disse.
Por Marcella Fernandes