A jornada não é dupla, é contínua: como o trabalho do cuidado sobrecarrega as mulheres, por Melina Fachin

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Foto: Pixabay

11 de agosto, 2025 Portal Catarinas Por Melina Fachin

Na jornada de quem vive tudo ao mesmo tempo agora, cada pausa é política.

Vivemos tempos em que parar é quase um ato de resistência. Somos empurradas para uma existência hiperconectada, em que estar disponível o tempo todo é sinal de produtividade, e dar conta de tudo simultaneamente virou símbolo de competência. Responder mensagens durante reuniões, cuidar de demandas domésticas no intervalo do trabalho, manter a atenção dividida entre telas, vozes, notificações — tudo isso é naturalizado como parte da vida atual.

A multitarefa, nesse contexto, não é apenas um hábito: é uma imposição disfarçada de virtude. A ilusão de que conseguimos nos multiplicar, dar conta de tudo, estar em todos os lugares — mesmo que em fragmentos — esconde uma sobrecarga emocional e cognitiva que produz efeitos profundos e silenciosos. Mas essa exigência não recai igualmente sobre todos os corpos.

Para milhões de mulheres, a jornada não é dupla — é contínua. O tempo produtivo se esgarça entre ligações, planilhas, reuniões, o lanche da criança, a ligação para o médico, o grupo da escola, a lista do mercado, o cuidado com os pais, o almoço de domingo, a preocupação com o planeta. É um tempo picotado, reativo, atravessado por urgências que não se anunciam como trabalho, mas que exaurem como tal.

Ainda que nem sempre sejam as executoras diretas, há, muitas vezes, o esforço invisível de organizar, planejar, prever, lembrar e cuidar. É o peso de estar sempre à frente das necessidades, de manter o mundo girando mesmo quando nada parece estar em movimento. A carga mental desgasta, ocupa espaço no pensamento, impede o descanso mesmo no silêncio. E recai, de forma massiva, sobre as mulheres; sobretudo as mães, sobretudo as que não podem terceirizar.

Essa sobrecarga tem nome: trabalho do cuidado. Invisível, não remunerado, desigualmente distribuído. É o que permite que o mundo funcione — mas ainda é visto como escolha individual, vocação natural ou pior: detalhe irrelevante.

O cuidado segue sendo tratado como esfera privada, como algo que se organiza a partir das nossas “escolhas” “na esfera privada”. Só que o que se chama de esfera privada, muitas vezes, é um arranjo familiar sustentado por uma mulher.

E o que se chama de escolha, muitas vezes, é ausência de alternativa. Na prática, são elas que ajustam seus horários, flexibilizam o trabalho, deixam de estudar, adoecem.

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