Bandeira de Dilma, programa de creches tem falhas e desperdiça recursos, diz TCU

04 de outubro, 2014

(Último Segundo, 04/10/2014) Uma das principais bandeiras políticas na área de educação da presidente Dilma Rousseff (PT) nesta campanha eleitoral, o Proinfância tem como objetivo a construção de creches e pré-escolas, assim como a aquisição de equipamentos para estruturá-las. Mas a iniciativa, oficialmente conhecida como Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil, possui uma série de falhas que atrapalham seus propósitos, como apontou o Tribunal de Contas da União (TCU), em auditoria publicada no final de setembro deste ano.

Creches modelos construídas pelo Proinfância são destacadas na propaganda eleitoral (Foto: Reprodução/Propaganda eleitoral Dilma (PT))

São problemas como bibliotecas e salas de leituras sem livros, laboratórios de informática entregues sem computadores. Há também falhas estruturais arquitetônicas no programa. Por exemplo, há projetos de creches para o clima quente de uma determinada região do País que são exportados para outras regiões mais frias, sem as devidas adaptações necessárias.

“Observa-se que não houve um diagnóstico amplo, estruturado e prévio que embasasse a concepção dos projetos arquitetônicos definidos como padrão para o programa”, afirma relatório de auditoria. Sendo assim, não é incomum encontrar refeitórios destinados para crianças desprotegidos do frio e da chuva, além de anfiteatros descobertos, sem falar na falta de acesso coberto aos banheiros.

De acordo com a pesquisa realizada com secretarias municipais de educação pelo País, 32% das respondentes alegam a inadequação do projeto às necessidades locais como uma das dificuldades para o funcionamento da unidade.

“Além disso, 28% informam que tais inadequações dificultam o início das atividades das unidades do Proinfância. Percebe-se, portanto, que o funcionamento da unidade é prejudicado diretamente pelas inadequações do projeto às necessidades regionais”, pontua outro trecho do relatório.

Segundo entrevista com gestores do próprio Ministério da Educação (MEC), feitas pelos analistas do TCU, foram consideradas como referência “apenas” os projetos desenvolvidos em Belo Horizonte (MG) e Niterói (RJ) para a elaboração do projeto arquitetônico de construção das unidades do Proinfância .

Demais problemas

A falta de material de leitura é outro empecilho que impede que o programa atinja todos os seus objetivos de forma adequada. “Das secretarias municipais de educação que responderam a pesquisa, 46% informaram que uma das principais dificuldades para o adequado funcionamento das unidades do Proinfância é a falta de livros infantis”, pontua o documento do TCU.

Creche do Proinfância na cidade de Atalaia (AL) com laboratório de informática vazio (Foto: Divulgação/TCU)

Além da falta de livros, a auditoria também identificou problemas na entrega de equipamentos tecnológicos para as unidades. Nas creches do Proinfância, também está prevista a construção de laboratórios de informática. Entretanto, segundo relatório, 57% informaram que esses espaços encontram-se fechados, aguardando computadores.

Diante desse quadro, o TCU concluiu que estas falhas resultaram em prejuízos financeiros para a União: “pode-se estimar, com 95% de confiança, que o dispêndio de recursos públicos sem uso efetivo, atinge, no mínimo, cerca de R$ 6,13 milhões”.

O trabalho de auditoria do órgão federal também apontou que a assistência técnica prestada pela Secretária de Educação Básica do MEC é “insuficiente e pouco abrangente” e que há problemas com repasses maior para municípios que cadastraram alunos em duplicidade.

Por fim, o TCU ainda analisou a qualidade do corpo docente e da gestão pedagógica das unidades. Segundo o ministro-relator do processo, José Jorge, “ainda que o nível de formação dos professores do Proinfância esteja em um bom patamar, falta experiência técnica das equipes para a elaboração da proposta pedagógica e para o estabelecimento de rotinas de atividades para utilização dos espaços existentes”.

Para a realização da auditoria foram realizadas pesquisas eletrônicas com gestores das secretarias municipais de educação do País e com consultoras contratadas pelo MEC para atuar no Proinfância. Também foram realizados estudos de caso em oito escolas nos municípios de Esteio e Sapiranga, no Rio Grande do Sul; Florianópolis, em Santa Catarina; Contagem e Coronel Fabriciano, em Minas Gerais; e Atalaia e Teotônio Vilela, em Alagoas.

Contando a partir da divulgação do relatório, no final de setembro, o governo tem 90 dias para apresentar um plano de ação para efetivar as recomendações de aperfeiçoamento na execução do Proinfância sugeridas pelo TCU.

Veja resumo dos problemas do Proinfância apontados pelo TCU:

Mais sobre o programa

O Proinfância foi instituído em 2007, na gestão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela iniciativa, “seu principal objetivo é prestar assistência financeira ao Distrito Federal e aos municípios visando garantir o acesso de crianças a creches e escolas de educação infantil da rede pública”. De 2007 a 2012, já foram investidos cerca de R$ 4,6 bilhões no programa.

Uma das metas prevista do Plano Nacional de Educação (PNE) é justamente aumentar o acesso à educação infantil. Em 2024, espera-se que 50% das crianças de 0 a 3 anos estejam nas creches. Atualmente, segundo dados do Observatório do PNE, apenas 23,5% delas estão matriculados em creches.

Lições para melhorar programa 

Para o professor da Faculdade de Educação da USP, Ocimar Alavarse, a fiscalização do TCU “mostra que erros, que não deveriam existir, foram cometidos”. “Agora é preciso aprender com eles, tirar lições e melhorar a ação do programa. Todas as políticas públicas precisam ser bem avaliadas. As avaliações ajudam a evitar isso [as falhas]”, diz Alavarse.

Segundo Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – ONG que congrega uma série de entidades do setor –, “o Proinfância é louvável, mas o caminho não é esse”.

“Ao invés do Proinfância, para expandir as matrículas em creche no Brasil com qualidade, seria mais efetivo aumentar os repasses do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] aos entes federados. Além disso, é preciso implementar o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) até o segundo ano de vigência do PNE”, explica Cara.

Resposta do governo federal 

Para se posicionar diante das falhas do Proinfância apontados pelo tribunal, o governo federal centralizou o seu posicionamento por meio do MEC. Inicialmente a pasta informou à reportagem que o ministério “mantém ao longo dos anos um efetivo diálogo com o TCU, o que tem permitido a melhoria de seus processos de gestão.”

MEC: ‘hoje, os projetos já contemplam as adaptações regionais sugeridas pelo TCU’ (Foto: EBC)

O MEC ainda destacou que a execução dos trabalhos da auditoria – publicada agora neste ano pelo TCU – foi feita em 2012 [a auditoria foi realizada no período de abril a outubro], e que se trata “de uma auditória operacional e não de conformidade”. O ministério também informa que, “atualmente, os projetos já contemplam as adaptações regionais sugeridas pelo TCU”.

“Nas creches já construídas, os municípios foram autorizados a proceder ajustes. Na região Sul, por exemplo, foram autorizados fechamentos laterais nos pátios cobertos. No que se refere aos espaços citados como laboratório de informática, cabe esclarecer que eles são, na verdade, espaços para usos múltiplos, não sendo, portanto, obrigatória a destinação para laboratório de informática”, diz o MEC.

Sobre a ausência de livros nas creches, o ministério disse que “todas as unidades públicas de educação infantil no Brasil recebem livros de literatura por meio do PNBE [Programa Nacional Biblioteca da Escola]. As unidades do Proinfância são igualmente contempladas com o envio de livros”.

Sobre o cadastramento em duplicidade de alunos, o MEC informou que “caso a informação se revele incorreta no momento da prestação de contas por parte dos municípios, os recursos porventura repassados a mais devem ser devolvidos”.

O órgão ainda destaca que “o governo federal financiou, pela primeira vez, em larga escala, a construção de unidades de educação infantil e os municípios têm a obrigação de prestar o atendimento à população”.

Davi Lira

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