O programa Bolsa Família é positivo para a autonomia das mulheres beneficiárias, bem como para seu poder de decisão no lar, seu senso de cidadania e suas escolhas reprodutivas. Por outro lado, elas tendem a trabalhar menos horas no mercado de trabalho e realizar mais atividades domésticas, o que acaba reforçando os estereótipos de gênero.
(Naçoes Unidas.org, 13/01/2017 – Acesse o site de origem)
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A conclusão é de estudo divulgado na quarta-feira (11) pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) das Nações Unidas.
A pesquisa concluiu por meio de análises econométricas que o programa não altera significativamente a participação dos beneficiários no mercado de trabalho. Contudo, há indicativos de que, entre as mulheres, há redução de horas dedicadas ao trabalho produtivo, o que é compensado pelo aumento das horas direcionadas às tarefas domésticas.
Bolsa Família atende 13,8 milhões de famílias brasileiras. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
O estudo “Bolsa Família e autonomia feminina: O que nos dizem os estudos qualitativos?”, da pesquisadora associada do IPC-IG e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Letícia Bartholo, analisou sob uma perspectiva de gênero os efeitos do programa que atende 13,8 milhões de famílias brasileiras.
Criado em 2003, o Bolsa Família tem como objetivo combater a fome e a pobreza, além de incentivar a educação e os cuidados médicos nas famílias mais pobres no Brasil. As mulheres são as principais beneficiárias da iniciativa em 92% das famílias participantes, independentemente do arranjo familiar. As famílias beneficiárias devem cumprir condicionantes nas áreas de educação e saúde, conforme o perfil de seus membros, o que inclui a frequência escolar regular e o calendário de vacinação para crianças.
Os resultados do estudo demonstraram que o acesso direto aos benefícios do programa aumentou a capacidade de tomada de decisão das mulheres em relação às questões domésticas, impulsionando sua autonomia. A percepção de ter uma fonte regular de renda fez com que elas se sentissem menos dependentes de seus parceiros. Quanto à participação no mercado de trabalho, os resultados apontaram uma redução no número de horas que elas dedicam ao trabalho produtivo, compensadas por um aumento nas horas atribuídas às tarefas domésticas e aos cuidados infantis.
Segundo o estudo, isso pode ser negativo para as questões de igualdade de gênero, uma vez que reforça os papéis tradicionais da mulher na sociedade — já que o trabalho produtivo pode contribuir para sua segurança financeira e independência. Por outro lado, também pode significar oportunidade de deixar empregos precários e exploradores, de acordo com a pesquisa.
Mulheres entrevistadas pela pesquisa que vivem em áreas rurais têm experimentado um maior senso de cidadania e reconhecimento social por terem seus documentos civis emitidos e por se tornarem a ligação direta entre as suas famílias e o governo, segundo o estudo.
Além disso, as condicionalidades do programa que fortalecem as ligações entre as mulheres e os serviços de saúde melhoraram seu acesso aos métodos contraceptivos e, portanto, aumentaram seus direitos reprodutivos. O acesso direto à renda também pode ter influenciado a busca das mulheres por mais opções de controle de natalidade.
A pesquisadora lembrou que, embora as mudanças nos papéis de gênero sejam complexas e constituam conquistas de longo prazo, elas nunca foram o objetivo principal do Bolsa Família. Mesmo assim, o programa facilitou indiretamente a autonomia das mulheres mais pobres, aumentando seu acesso aos cuidados de saúde, renda básica e permitindo-lhes a ligação direta com o Estado.