Longe de atingir a meta de oferecer creches a pelo menos metade das crianças de zero a 3 anos no país, o Brasil deixa de atender justamente as famílias mais pobres, indicam levantamentos realizados pela Fundação Abrinq e pelo movimento Todos pela Educação.
(Valor, 19/10/2017 – acesse na íntegra)
Embora a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) seja a de atender no mínimo 50% das crianças nessa faixa etária até 2024, só há vagas em creches para 30% delas. Mantida a taxa atual de crescimento, o país só atingirá a meta em 25 anos.
“A má distribuição do atendimento vem sendo insuficiente para reparar desigualdades históricas da sociedade brasileira”, afirma relatório do Anuário da Educação Básica 2017, elaborado pelo movimento Todos pela Educação com base em números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério da Educação (MEC).
O país tem registrado avanços significativos no atendimento à primeira infância ao longo dos anos 2000. Em 2001, só 13,8% das crianças de zero a 3 anos de idade frequentavam a escola; em 2015, esse percentual aumentou para 30,4%.
O retrato do atendimento, no entanto, varia de acordo com a renda da família e a região em que a criança nasce. A meta do PNE para creches já é realidade desde 2015 para as crianças mais ricas. 52,3% das crianças de zero a três anos no segmento dos 25% mais ricos da população já eram atendidas em 2015. Mais que o dobro do percentual de atendimento entre as crianças mais pobres, que ainda era de 21,9% no mesmo ano, ainda menor que a média nacional.
“Faltam creches principalmente para as pessoas mais pobres em todas as metrópoles do país”, afirma Heloisa Helena Silva de Oliveira, administradora executiva na Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente. Nessas cidades, o atendimento é preponderantemente privado, então as mães que realmente precisam, que são as mais pobres, ficam sem atendimento”, diz. Situação mais preocupante observa-se nas regiões Centro-Oeste (24,8%), Nordeste (21,8%) e Norte (11,1%), em que as proporções de crianças atendidas são ainda mais baixas que a taxa nacional. No Sul e Sudeste, as mesmas taxas atingem 41% e 41,3%, respectivamente, valores mais altos do que os das demais regiões, porém, ainda abaixo da meta.
Quatro dos cinco Estados que possuem a menor quantidade de matrículas em creches são da região Norte: Amapá (3.756), Roraima (5.456), Acre (8.958), e Rondônia (11.286).
Heloísa destaca que o custo de abrir novas vagas em creches é mais alto que o das vagas no ensino fundamental, mas as prefeituras, responsáveis pela oferta, recebem o mesmo volume de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para as duas etapas de ensino.
“As turmas de creche são menores, precisam de mais educadores. O valor repassado é insuficiente e esse é um grande entrave”, afirma Heloísa.
Dados do relatório “Education at a Glance”, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Econômico (OCDE), revelam que só 37% das crianças de 2 anos de idade e 60% das de 3 anos no Brasil estão matriculadas em creches, percentual bem abaixo das médias de 39% e 78%, respectivamente, dos países da OCDE. Além disso, 36% das crianças estão matriculadas em creches privadas, percentual abaixo dos 55% da média da OCDE.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases, os municípios são responsáveis pela oferta e a gestão da educação infantil. No caso das creches, a legislação permite que instituições privadas sem fins lucrativos façam parte do sistema público, oferecendo atendimento gratuito. Para isso, deve ser firmado um convênio ou outro tipo de parceria público-privada entre a prefeitura e a instituição.
A OCDE explica que creches privadas são classificadas em dois tipos: as dependentes do governo, que recebem cerca de 50% de seu financiamento do poder público, e as privadas independentes. “No Brasil, no entanto, todas as instituições nesta etapa de ensino são privadas independentes”, afirma a OCDE.
O relatório também destaca que o Brasil investe bem menos em creches e educação infantil do que a média mundial. O governo investe 0,6% do PIB em educação infantil, menos que os 0,8% da média da OCDE. O gasto por aluno nas instituições públicas é de US$ 3,8 mil por ano por criança, menos da metade da média de US$ 8,9 mil por criança/ano da OCDE.
O gasto menor na comparação internacional se deve, segundo à OCDE, ao baixo salário dos professores, “e ao fato de que há menos professores por aluno”. O salário mínimo para professores do pré-primário no Brasil é de US$ 13 mil por ano, menos da metade da média da OCDE, que é de US$ 28 mil.
Estudo realizado pelo Núcleo Ciência pela Infância, composto pelo Insper e pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, afirma que oferecer condições favoráveis ao desenvolvimento infantil é mais eficaz e menos dispendioso do que tentar “reverter ou mitigar os efeitos das adversidades precoces” depois que a criança já cresceu. Isso ocorre, em primeiro lugar porque o cérebro tem plasticidade maior nos primeiros anos de vida. “No longo prazo, crianças que tiveram menos oportunidades de desenvolvimento tornam-se, com maior probabilidade, adultos pobres, produzindo o fenômeno conhecido como ciclo intergeracional da pobreza”.
O estudo destaca também a importância do funcionamento adequado das creches para o desenvolvimento das crianças. “A qualidade representa um fator determinante, ou seja, creches de boa qualidade podem representar benefícios para o desenvolvimento infantil, mas creches de baixa qualidade podem gerar prejuízos no desenvolvimento das crianças.”