A desigualdade de prêmios no esporte e a lógica econômica que tenta justificar a diferença, por Italo Pedroni Colinni

29 de julho, 2016

(HuffPost Brasil, 29/07/2016) Neste junho uma foto comparativa entre os prêmios da seleção masculina de vôlei da Sérvia e a seleção feminina de vôlei do Brasil, ambas campeãs mundiais em suas modalidades, ganhou enorme repercussão nas redes sociais. Nas mãos da jogadora brasileira uma placa e o prêmio no valor de US$ 15 mil. Nas mãos do jogador sérvio uma placa e o prêmio no valor de US$ 30 mil.

Ao confrontar a revolta em relação à disparidade nos prêmios, muitas pessoas (na minha experiência eram em sua maioria homens) correram para justificar as cifras: os patrocínios refletem a lógica econômica, se o esporte feminino possui menos audiência, consequentemente menos visibilidade, as empresas oferecerão um prêmio menor pois terão menos lucro com essa exposição da marca.

Antes que algum leitor me mande estudar economia (como muitos desconhecidos fizeram), aviso: estudei por alguns anos, pasmem, tenho até Bacharelado na área e sei como funciona o valuation (aferição de retorno sobre investimento para chegar ao valor do prêmio) dos patrocínios. Porém, diferentemente dos economistas de plantão que me alertaram para o óbvio, eu sei que a lógica econômica explica, porém não JUSTIFICA a manutenção dessa diferença.

É preciso analisar também a construção social que levou o esporte masculino a ser mais apreciado que o feminino. Fenômeno esse que tem como consequência espetáculos em audiência de campeonatos de um gênero e esquecimentos de outro. A partir desse questionamento podemos discutir se igualar os incentivos na base poderiam impactar a audiência e retorno nos anos futuros, consequentemente alterando a disparidade de prêmios. Vejam que o assunto é mais complexo que a “simples lógica do lucro” que as pessoas supõem que não entendemos.

No curto prazo podemos questionar se a mídia e patrocinadores não estão sendo coniventes com a manutenção desse status

Um exemplo de tentativa de igualar oportunidades na base aconteceu nos EUA em 1972, quando foi aprovada o Title IX, um marco legislativo que passou a exigir a igualdade de gênero para meninos e meninas em cada programa educacional que recebe financiamento federal. Antes do marco, em 1971, cerca de 10% dos atletas nas instituições de ensino eram meninas, 40 anos depois, em 2011, elas representavam 46%, porém ainda recebiam proporcionalmente menos verba que os colegas atletas do gênero masculino.

Apesar do marco não ter resolvido todas as questões, ele mostrou que biologia ou testosterona não são os fatores mais determinantes para a participação feminina no esporte, afinal em 2011 elas eram quase metade dos atletas nas escolas americanas. Porém, como toda questão complexa demais para ser resolvida em um ou dois passos, outros incentivos financeiros e sociais continuam favorecendo o esporte masculino.

No curto prazo podemos questionar se a mídia e patrocinadores não estão sendo coniventes com a manutenção desse status, reflexão que partiu da foto com a diferença nos prêmios. Embora eu espere que a discussão não acabe nisso, pois como disse há mais variáveis a serem ajustadas, podemos pensar em como as empresas poderiam contribuir para a mudança, de preferência mantendo o retorno ou obtendo vantagens de marketing com decisões em direção a uma maior igualdade.

Um case de sucesso que me marcou muito foi o do Grameen Bank cujo trabalho pude conhecer através de uma palestra do seu fundador, Muhammad Yunus. O Grameen é um banco de microcrédito sediado em Bangladesh, a maioria da sua base de tomadores de empréstimo é composta por mulheres. De acordo com a tradição da Sharia, um homem que desejar se separar de sua esposa precisa apenas dizer ‘eu me divorcio de você’ três vezes. Em muitos casos isso significava divórcios e expulsões de cara para as mulheres por motivos pífios, colocando-as em situação de vulnerabilidade.

Percebendo esse fenômeno, Yunus estipulou como condição para os empréstimos imobiliários que o terreno ou a casa estivessem no nome das mulheres. Isso alterou significativamente o incentivo dos homens na decisão de declarar ou não o divórcio, isto é, usando a lógica puramente econômica de que aquelas casas não estavam em nome deles, e que portanto em caso de divórcio seriam eles a estar na rua, os homens passaram a pensar duas vezes antes de dizer ‘eu me divorcio de você’.

Eu adoro pensar nessa história porque consigo traçar paralelo com o seguinte raciocínio: Precisava o Yunus, através do Grameen Bank, interferir nas regras sociais? Não. Ele poderia ter seguido estritamente a lógica do lucro e emprestado no nome de quem aparecesse? Sim. Porque então ele não manteve seu modus operandi da mesma forma que outros bancos faziam? Porque ele sabia o que explicava a alta taxa de divorcio das comunidades, mas ele não acreditava que isso JUSTIFICAVA a situação à qual as mulheres eram submetidas.

Se todos conseguíssemos entender que alguns mecanismos de mercado explicam disparidades sociais, porém não as justificam, poderemos passar a pensar juntos em soluções múltiplas e mudança de incentivos.

A relação de demanda, visibilidade e patrocínio do esporte masculino explica a diferença nos prêmios, mas não justifica que uma atleta jogando a mesma modalidade, com a mesma quantidade de jogos e horas dedicadas ao esporte receba um prêmio menor. Nesse caso uma parceria entre patrocinadores e escolas e/ou centro de treinamentos na qual o estímulo ao esporte feminino na infância/adolescência ficasse claro poderia ser uma opção. A equalização dos prêmios como forma de incentivar o esporte feminino e os investimentos nele poderia ser mais uma opção. Em ambos os casos a empresa patrocinadora capitalizaria através do marketing sobre a ideia de inclusão e igualdade de gênero.

O que não podemos permitir que seja uma opção é o uso da lógica econômica como muleta para o não questionamento da lógica social implícita e, consequentemente, a manutenção das coisas como elas estão.

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