(IG/Economia, 12/08/2014) O percentual de brasileiras em cargos de direção e gerência sênior das três maiores empresas do País está abaixo da média mundial, de acordo com o estudo da Mulheres Diretoras de Corporação Internacional (CWDI, na sigla em inglês). De acordo com a pesquisa, realizada anualmente, apenas 7,7% da diretoria de todas as empresas de capital aberto no Brasil é ocupada por mulheres. Nas maiores companhias do País, o percentual sobe para 14,8%, ainda abaixo da média mundial de 17,3%.
O estudo, que analisa a evolução das políticas de igualdade de gênero nas maiores companhias do mundo, leva em consideração o ranking das 200 maiores empresas em volume de receita da revista norte-americana Fortune. Somente três empresas do País entram no ranking: Petrobras, Bradesco e Banco do Brasil.
De acordo com a CWDI, as empresas francesas são as que mais têm mulheres em posições de direção e gerência sênior, com um percentual de 29,7%, enquanto que nas grandes corporações dos Estados Unidos, o percentual atingiu 22,5% neste ano. A França, no entanto, conta com uma legislação de cotas para mulheres em altos cargos corporativos desde 2010. No Brasil, a proposta de lei de cotas de mulheres para empresas estatais ainda aguarda aprovação no Senado.
Segundo a presidente da CWDI e da Global Summit of Women (do inglês, Cúpula Global de Mulheres), a norte-americana Irene Natividad, iniciativas como a criação de leis de cotas para mulheres nas empresas ou a inclusão de termos que garantam a diversidade de gênero nos códigos das companhias são essenciais para acelerar a igualdade de gêneros no mercado de trabalho. “A questão é ter uma iniciativa. O errado é não fazer nada. E isso é ruim para a economia de um país, pois você está desperdiçando metade dos talentos que já existem. Nenhuma economia pode se dar ao luxo de não usar metade da população”, conta Irene, com exclusividade ao iG.
Desde a primeira versão do estudo, realizado em 2004, as empresas que apresentaram a melhor evolução em posicionar mulheres em cargos de liderança são a França (de 7,2% para 29,7%) e Itália (de 1,8% para 25,4%) – ambos os países contam com leis de cotas para mulheres em empresas.
Já as três maiores economias do mundo (EUA, China e Japão) não contam com iniciativas nacionais para promover a igualdade de gênero no mercado de trabalho. Por consequência, a alta do percentual de mulheres ocupando cargos de liderança é a mais lenta de todas nestes países.
Confira a entrevista que Irene Natividad concedeu com exclusividade ao iG:
iG: Os resultados do estudo deste ano lhe supreenderam de alguma maneira?
Na verdade, não. Nós monitoramos esses números desde 2004 e, quando percebemos o aumento na França, nós sabíamos que era por causa da lei de cotas. Ano passado foi a primeira vez em que a França ultrapassou os Estados Unidos em termos de liderança feminina. O resultado brasileiro não me surpreendeu também, porque não há nenhuma iniciativa nacional para elevar o número de mulheres em cargos de liderança, mesmo com um projeto de lei parado no Senado.
iG: Assim como o Brasil, os EUA também não têm nenhuma política nacional para aumentar o número mulheres em cargos gerenciais. Por que, ainda assim, o Brasil está tão atrás?
Eles não estão tão na frente. O percentual de mulheres em cargos de gerência sênior é de 16,7% e no Brasil, em 2010, era de 13%, então não é uma diferença tão grande. A percepção é de que, como a fundação dos EUA é baseada no conceito de igualdade, eles estariam melhores no ranking. Mas quando você olha os números, eles só têm 20 CEOs mulheres nas 500 maiores empresas do ranking da Fortune. Então, para cada Mary Barra, que é agora a CEO da montadora General Motors, há muito mais que não são. Na Europa, ainda que eles estejam melhorando nessa questão, já que muitos países têm leis de cotas, não existe nenhuma CEO mulher nas empresas europeias blue-chips [companhias de maior valor na bolsas]. A gente tem que começar de algum lugar e, pelas leis de cotas, de alguma maneira, nós vamos criar uma nova geração de líderes mulheres. O problema é não fazer nada. Achar que as mulheres vão subir naturalmente até o topo é realmente inútil. Isso não vai acontecer.
iG: Normalmente, quando esse assunto é discutido, as pessoas dizem que o fato de as mulheres buscarem ser bem-sucedidades tanto no trabalho quanto em casa é um paradoxo. Se isso realmente é um dos fatores que as impedem de chegar ao topo, o que as empresas podem fazer para ajudar?
Sim, as mulheres querem ser tão bem sucedidas em casa quanto no trabalho. Só as companhias acham que isso é um defeito. Os homens têm família, mas se eles se preocupam com sua família, isso significa que eles serão mal vistos? Não. Dar benefícios para as mulheres ajuda as empresas a reterem o talento. Não é como se eles estivessem dando um presente. Eles estão garantindo que o investimento que tiveram em treinar as mulheres e que o conhecimento delas fique dentro da empresa. O que tem acontecido é que muitas companhias não são capazes de conceder a flexibilidade para elas conseguirem cumprir as tarefas no trabalho assim como em casa. Eu entrevistei CEOs mulheres e perguntei se elas se sentiam bem sucedidas e, imediatamente, independentemente de qual país elas eram, elas respondiam que se não eram bem sucedidas em casa, não eram bem sucedidas. As mulheres querem ser boas no trabalho e em casa, o que há de errado nisso? Vocês não teriam mais brasileiros se as mulheres não tivessem filhos.
iG: Quais outras iniciativas podem ser tomadas para aumentar a liderança feminina e que não sejam relacionadas às leis de cotas?
Uma das iniciativas que os países que não querem aplicar cotas aplicam é inserir esta questão no código de conduta da corporação. Em outras palavras, existem agora 20 países que inseriram a diversidade de gêneros como um componente nos códigos de conduta das empresas estatais. Muitos deles são só recomendações e, se a corporação não está cumprindo com isso, ela tem de explicar o motivo. Mesmo assim, nós vimos que esses países estão se saindo muito melhor em colocar mulheres em cargos de liderança do que países que não têm essa prática.
Na Austrália, por exemplo, a bolsa de valores tomou as rédeas da situação e colocou a diversidade de gênero como um requerimento obrigatório para uma empresa ser listada na bolsa. Com essa transparência obrigatória, as empresas começaram a competir entre si para ter as maiores metas de mulheres em cargos de gerência sênior. A questão é ter uma iniciativa. O errado é não fazer nada. E isso é ruim para a economia de um país, pois você está desperdiçando metade dos talentos que já existem. Nenhuma economia pode se dar o luxo de não usar metade da população.
iG: Quando as mulheres finalmente alcançam o topo da hierarquia corporativa, elas encontram a igualdade de gênero no quesito salário e tratamento?
Não. Se você se lembra, um jornalista descobriu que os ganhos da Mary Barra, CEO da GM, eram menores que os de seu antecessor. Por causa da atenção que a mídia gerou sobre isso, a montadora acabou aumentando seu salário para um pouco mais que o do antigo CEO, que na verdade estava ganhando mais como um ex-presidente do que ela enquanto dona do cargo. E foi um jornalista quem descobriu isso. Este é o poder da mídia de criar mudanças.
iG: Quando começou a lutar por igualdade de gêneros no ambiente de trabalho, nos anos de 1980, você esperava que a situação estaria melhor ou pior a essa altura?
Depende do país. Quando falamos nos EUA, fico depressiva. Os números não mudaram e não vejo qualquer iniciativa para reverter a situação das mulheres. Elas não têm licença maternidade paga, apenas 12 semanas sem remuneração, então poucas pessoas usam. Nós também não temos uma política de creches nos EUA. Então, eu encontro meu prazer nos países europeus que tentam mudar essa situação. A Malásia agora tem cota para mulheres em cargos executivos, de 30%. É o único país da Ásia-Pacífico que tem essa lei.
A Índia está pedindo pelo menos uma mulher em cargos de liderança em cada empresa de capital aberto até outubro, então todas as empresas estão correndo atrás disso. Esse é o poder de uma lei. Quando uma empresa é obrigada a fazer algo, acelera o progresso. Esse é o ponto principal das cotas. Se não for assim, quando eu morrer, os meus netos ainda estarão lutando por isso. Quando eu comecei a trabalhar com isso, havia pouquíssimos países com leis de cotas para mulheres. Agora, são 22 com cotas para estatais e empresas de capital aberto, e os números estão crescendo. Não está acontecendo nos EUA, mas acontece em outros países, que são os lugares onde encontro minha alegria.
Murilo Aguiar
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