(Correio Braziliense, 21/09/2014) Chegar a uma posição de comando, em qualquer organização, não costuma ser tarefa fácil. Para as mulheres, porém, a dificuldade é maior. Apesar de serem 40% da mão de obra mundial, elas ocupam menos de 5% dos cargos de CEO. No enfrentamento a essa situação, as organizações têm papel fundamental. “As empresas podem e devem adotar políticas inclusivas. A diversidade é benéfica para a geração de capital e tem que ser vista como oportunidade de negócio”, defende Isabel Clavelin, estudiosa de gênero e raça e professora de comunicação e serviço social da Universidade Católica de Brasília (UCB).
Pensando nisso, um grupo de 25 mulheres empresárias se reuniu entre 17 e 20 de julho no 1º Fórum de mulheres Líderes, na ilha caribenha de Anguilla. Entre as participantes, estavam presidentes de empresas como Blue Tree Hotels, Dudalina, TAM, Johnson & Johnson, Grupo Empreza e Magazine Luiza. A única representante do DF no encontro foi Laura Oliveira, presidente do grupo LMO. Elas firmaram compromissos para mudar o paradigma da liderança feminina (veja todas as metas no quadro).
Mudança
Pesquisa da PwC mostra que a presença de mulheres em cargos de liderança deve aumentar com as profissionais da geração Y no mercado de trabalho, já que elas são mais ambiciosas – até 2020, as mulheres desse grupo etário serão 25% da mão de obra mundial (veja quadro). “As mulheres são maioria nas graduações e nos mestrados e são mais capacitadas. As empresas precisam buscar talentos e não podem se dar ao luxo de não atrair essas mulheres”, declara Ana Malvestio, sócia da PwC Brasil. O contexto está mudando, mas ajuda se as empresas puderem incluir as profissionais. “As cotas são um remédio amargo, que precisa ser bem administrado e retirado no tempo certo. A representatividade feminina na liderança ainda é ínfima porque não há incentivos. As cotas são necessárias para mudar uma situação que demoraria muito mais para se alterar sem interferância. Hoje há muitos CEOs homens que defendem cotas para mulheres”, diz.
Ana vê com bons olhos a resposta positiva de 51% das entrevistadas que acreditam ter a capacidade de ocupar a posição mais alta em sua organização. “É um enorme avanço. Não adianta as companhias adotarem políticas inclusivas, se as mulheres não confiarem em si mesmas.”
Apesar dos problemas, a coordenadora de Responsabilidade Social da Dudalina, Patricia Souza, 44 anos, acredita que o cenário brasileiro se torna cada vez melhor. “As mulheres estão em posição de destaque no país: nunca se viu tantas empresárias de sucesso, tantas líderes exemplares. Há muito a avançar, mas nossa posição no mercado de trabalho hoje é uma conquista da qual devemos nos orgulhar.”
Patriarcado
Isabel Clavelin acredita que o que mais atrapalha a progressão profissional feminina é o sexismo. “As mulheres têm mais escolaridade, mas não conseguem ter oportunidades iguais. O formato clássico patriarcal reserva a eles praticamente a totalidade dos cargos de chefia”, lamenta. Para a professora, a maternidade e o sucesso profissional não são excludentes, mas é preciso um esforço a mais. Prova disso é Paula Bakaj, 50 anos, diretora de Public Acess da Burson·Marsteller, que ocupou cargos de chefia em várias instituições, e tem dois filhos, de 25 e 22 anos. “Nunca deixei a maternidade interferir na carreira. Temos um perfil multitarefa: cuidamos de casa, dos filhos, do trabalho. Quando conseguimos lidar com essas demandas e focar na vida profissional, conseguimos crescer. O mercado tem percebido que as mulheres são fortes e sabem lidar com muita coisa ao mesmo tempo.”
Carta de Anguilla
Confira os compromissos adotados por empresas participantes do 1º Fórum de mulheres Líderes:
» Colaboração na aprovação de cotas para mulheres em cargos executivos nas empresas, como processo transitório para acertar uma desigualdade histórica
» Aumentar o percentual de mulheres em cargos de liderança nas empresas em um período de 5 anos
» Identificar e desenvolver as profissionais diretas para que estejam aptas a ocupar cargos de gestão
» Traçar meta de aumento do percentual feminino em cargos de liderança nas empresas de cada participante do Fórum de mulheres Líderes, de acordo com o core business, e reavaliar o aumento dentro dos próximos 12 meses
» Verificar se a empresa dá o suporte necessário e oferece as soluções para reter as profissionais e corrigir, se necessário
» Em casos de mobilidade geográfica de executivas que tenham talento e competência, propor soluções e oferecer estrutura familiar, por exemplo, auxiliar os maridos a encontrarem emprego nas novas cidades
» Corrigir desigualdades de salários entre homens e mulheres que ocupem o mesmo cargo em uma mesma empresa
» Oportunidade de networking, independentemente do gênero, com pessoas que possam abrir portas na carreira
Na dianteira/Saiba como elas conquistaram cargos de chefia
Laura Oliveira: 41 anos, mãe de dois filhos, de 2 anos e de 7 meses
Presidente do LMO, grupo que opera uma rede de fast-food no DF e é detentor de uma empresa de eventos e de uma incorporadora
“Eu sempre tive muito foco na vida profissional. Comecei a trabalhar com 14 anos numa empresa de turismo e abri uma empresa de eventos aos 17 anos. Desde 1997, meu grupo opera seis restaurantes fast-food responsáveis por mais de 600 funcionários. Todo empreendedor tem um sonho, e eu quis realizá-lo antes de ser mãe: visitei vários países, conheci o mercado, superei dificuldades e passei por muita coisa. Não tive pressa para formar minha família: me casei há apenas cinco anos. Ser mãe e executiva não é fácil: é preciso administrar a casa e o trabalho, mas eu me preparei para isso. Mudei minha rotina depois da maternidade: passei a trabalhar apenas de tarde e a delegar mais o trabalho. Também mantenho um quarto de brincadeiras onde o Enzo, 7 meses, pode ficar com a babá na empresa. A gente precisa entender que não émulher-maravilha, porém é preciso ser firme e saber dizer não.
Cibele Rocha Andrade: 48 anos, sem filhos
Gerente da Dudalina no Conjunto Nacional
Trabalhei em marcas como Patachou, Anima Joias e Harley-Davidson antes de chegar à Dudalina e vim parar em Brasília a trabalho há 9 anos. A vontade de chegar a uma posição mais alta não foi imediata. Demorei seis anos para chegar à gerência e percebi que isso envolve muitos desafios, como delegar e conduzir a equipe. Hoje sou muito realizada na minha função e amo o que eu faço. A mulher sobressai no mercado porque é uma administradora nata: é ela quem administra a casa e a família. É cansativo, há dias no mês em que a gente não está bem, mas, se a mulher souber gerir, terá mais sucesso e rendimento. Ela tem que fazer mais esforço que o homem para conquistar a liderança, mas quando conquista esse espaço, se destaca.
Helena Ribeiro: 52 anos, tem dois filhos, de 15 e de 22 anos
CEO do Grupo Empreza
Passei a integrar o Grupo de Líderes Empresariais (Lide) em Goiás a convite da dona da Dudalina e faço parte do grupo mulheres do Brasil. O 1º Fórum de mulheres Líderes foi uma experiência muito legal porque reuniu profissionais incríveis para tratar de informações que facilitam a chegada da mulher à liderança. Não é por competência que ela fica para trás: é porque historicamente não ocupamos cargos de presidente, o que abre menos precedentes. Uma das causas está em quem escolhe os líderes: são outros líderes, que geralmente são homens. Outro fator é que as mulheres têm múltiplos papéis e não querem abrir mão de nenhum. Para ser CEO, você tem que ter coragem para deixar algumas coisas e assumir uma carga de trabalho que você normalmente não teria. Para avançar, a profissional precisa saber priorizar e não se culpar por, por exemplo, não estar sempre presente para os filhos. Elas também devem se sentir mais seguras para competir com os homens.
Eliana Tameirão: 48 anos, sem filhos
CEO da Genzyme, empresa de biotecnologia, e primeira brasileira a integrar o conselho da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma)
Comecei na Genzyme por baixo e passei por todos os cargos. É comum ser a única mulher numa mesa com muitos homens. Acabam ocorrendo piadinhas sobre fragilidade. Uma vez, numa reunião de board de uma empresa, levantei a mão pedindo para falar. O presidente me ignorou e passou para o próximo tópico. Não hesitei, me impus, tive uma fala contundente, e o presidente até ficou vermelho. A mulher tem que brigar por seu espaço, é preciso acotovelar um pouco. Se necessário, também sei bater a mão na mesa e erguer o tom de voz. Ter mulheres em posição de liderança não é uma questão de responsabilidade social, é uma questão financeira também porque os números revelam que as mulheres apresentam lucros superiores. Entram nas empresas o mesmo número de homens e mulheres, mas quando se olha o topo, elas ficam no meio do caminho. Ainda temos muito para evoluir.
Irene Camargo: 44 anos, sem filhos
Diretora de RH da Pfizer Brasil
Fui headhunter por 10 anos e, no contato com altos executivos, me interessei por uma série de aspectos da carreira deles, como liderar um time. Foi assim, que mudei para a indústria e trabalhei em empresas de farmacologia e bens de consumo, inclusive no exterior, até chegar à Pfizer. Em eventos corporativos, víamos muito menos mulheres, mas isso está mudando. Na Pfizer, mesmo, o número também aumentou: o percentual de mulheres em cargos executivos passou de 23% para 50% entre 2008 e 2014, por fatores como horário flexível e home office uma vez por semana. Ver muitos homens no domínio ajudou a modelar quem sou hoje: não preciso ser durona, consigo mensurar e usar as características femininas de maneira positiva.
Camilla Dewoon: 41 anos, tem duas filhas, de 7 e de 9 anos
Vice-presidente de Marketing e Vendas da Scania na América Latina
Sou sueca e estou no Brasil há 1 ano e 7 meses, onde fico responsável pelas operações das áreas de negócios de caminhões, ônibus, motores, peças e serviços. Iniciei o trabalho na Scania em 1998 e passei por diversas funções na Suécia e em outros países. Nunca enfrentei problemas por ser mulher: a mistura dos gêneros é benéfica, mesmo em uma indústria muito masculina, como é o caso do setor automotivo. A chave para o sucesso, nesse tipo de ambiente, é seu interesse pelo negócio e a humildade para lidar com o fato de as mulheres serem minoria no setor. Acho que a única dificuldade é que você não é vista como a primeira opção para a candidatura a um cargo de liderança, em razão de ser percebida como diferente do padrão. Uma vez que você alcança a posição de liderança, consegue crescer. Consigo equilibrar bem vida privada e trabalho porque a empresa respeita isso como algo fundamental para o desempenho dos profissionais.
Acesse o PDF: Encontro debate sexismo no mundo do trabalho (Correio Braziliense, 21/09/2014)